15.1.08

The Blue Room (2)

Quando escreveu Reigen, em 1900, Arthur Schnitzler não imaginou que a peça fosse representada. Sabia que o tema era demasiado chocante, e achava que o texto seria apenas lido entre amigos. De facto, quando a peça estreou, em 1921, foi logo proibida e perseguida judicialmente. Mais tarde, tornou-se célebre numa versão cinematográfica opulenta e romântica magoada (La Ronde, 1950, de Max Ophüls). David Hare transpôs o texto para a actualidade em 1998, com personagens e referências dos dias de hoje, mas manteve intacta a estrutura em episódios: 10 encontros sexuais rotativos analisados com frieza absoluta. As personagens são estereótipos (o taxista bruto, a modelo estúpida, o dramaturgo pomposo) e talvez só uma delas (a actriz) tenha vida própria, porque ironiza a sua situação sexual com mais bonomia que sarcasmo. Mas o que importa aqui não é a subtileza: todas as personagens, inteligentes ou idiotas, revelam a mesma condição, que o próprio Hare define como o abismo entre o que imaginamos, aquilo que lembramos e aquilo que vivemos. A insatisfação sexual continua mesmo em clima de promiscuidade total, na Viena de 1900 como em Londres em 1998 ou em Lisboa em 2008. A sexualidade não diz respeito apenas à satisfação dos corpos mas à dança dos nossos fantasmas, e nesse aspecto a «promiscuidade» resolve pouco ou nada. Aliás, é curioso que alguém com um impecável currículo progressista como Hare reconheça com tal honestidade que a «revolução sexual» não mudou o essencial.

POLITICIAN: Personal liberation was such a wonderful idea (…) Oh, yes, freedom’s a wonderful thing, but I sometimes think you should have to pass a test to prove you deserve it.

MARRIED WOMAN: And do you deserve it?

POLITICIAN: Well, I think I probably do, yes.

MARRIED WOMAN: Goodness.

They both smile.


(da cena 5)