29.10.06

Amor líquido

Há semanas, apareceu uma reedição portuguesa dos Fragmentos de um Discurso Amoroso (1977), de Roland Barthes, belissima reivindicação romântica das linguagens do amor, contra o cinismo e a psicanálise. Agora, saiu a tradução do muito mais recente (e mais pessimista) Liquid Love, do sociólogo de origem polaca Zygmunt Bauman (n. 1925). Amor Líquido, de 2003, é um ensaio (como diz o subtítulo) Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Fez-me especial impressão reler (conhecia a edição inglesa) uma passagem do primeiro capítulo, que se chama «Apaixonar-se e desapaixonar-se».

Bauman fala da escolha amorosa («amorosa» no sentido lato) como uma forma de parentesco voluntário; mas não esconde que há uma sombra nessa escolha, que é a nostalgia do momento inicial, as condições adversas da sociedade em que vivemos, e a impossibilidade trágica que recai sobre as emoções estáveis.

Cito: «A afinidade nasce da escolha e nunca se corta esse cordão umbilical, e a menos que a escolha seja reafirmada diariamente e novas acções continuem a ser empreendidas para a confirmar, a afinidade vai definhando, murchando e deteriorando-se até se desintegrar. A intenção de manter a afinidade viva e saudável prevê uma luta diária e uma vigilância sem descanso. Para nós, os habitantes deste líquido mundo moderno que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo que não se ajusta ao uso instantâneo nem permite que se ponha fim ao esforço, tal perspectiva supera toda a capacidade e vontade de negociação».

A «luta diária» e a «vigilância sem descanso» talvez não sejam conceitos muito sociológicos. Mas são conceitos muito adequados. Que às vezes nos dominam. E que outras vezes, tristemente, nos abandonam.