19.1.07

Monólogo (a dois)

O «sofrimento» (vamos poupar no melodrama) deve ser visto de fora (usa aspas, ou itálicos, meu pavão). E visto de fora (aspas) este é o sofrimento mais engraçado que já conheci (não és tu que contas, é o caso em si, o resultado). Uma quase perfeição no eterno retorno («o eterno retorno», haja paciência). Quase não falta nada (falta o mais importante, já lá vamos). Aconteceu tudo, do entusiasmo ao erro trágico (teoria da literatura, és um merdas), os pormenores biográficos irrepetíveis repetidos quase ao milímetro, e alguns ainda escondidos à espera de acontecer (antropomorfismos, diz as coisas como gente). Fiz a fanfarra e agora não consigo dormir com o barulho (bem pensado). Tudo é muito mais lúdico e menos sôfrego, não tem nada a ver com palavras (tarde piaste), tudo tem as suas regras e passos de dança e vestimentas (meu labrego), não se vai por aí adiante sem licença, até porque tudo aquilo de que escapamos nos apanha mais à frente (meu Deus, metáforas de caça). O «sofrimento» (adiante) tem graça porque se a história acontece uma vez como tragédia e se repete como comédia, à terceira é uma farsa (tragam macacos, violinos, sombras chinesas). Uma farsa é uma comédia que se repete tragicamente (grande fraseador, Ega dos blogues, pedaço de asno). Cortei o passado aos bocados para não o viver de novo, e ele voltou, com pormenores mais nítidos, mais cortantes (alvíssaras, chegou o nosso menino). Um castelo de cartas (muito batido), e caiu todo ao mesmo tempo, não ficou nada, um terramoto que arrancou até as fundações (eu diria alicerces). E isso tem graça (tem). Achei que era capa e espada (mas sem espada) e sou o clown. Achei que era um archeiro (mui precioso) e sou o louco da aldeia. Tem alguma graça, tudo isto (incrível como gostas da retórica). A graça que isto tem não se pode ficar pela graça (continua). Há um momento em que não há progressão, não há saída para fora do círculo, porque por dentro e à volta ele está em chamas (literatices e poucas conclusões). Não é possível continuar depois disto (até que enfim), nada ficou como dantes (estás quase lá), depois da farsa não se volta atrás (continua), não se refaz o percurso, não se sai do círculo (reiterativo, o moço). Deitei tudo a perder e de nada serve o teatro subtilmente encenado dos últimos anos (o que ele demorou a dizer esta frase, o que ele demorou). Se Deus está nos pormenores o Diabo está nos parêntesis (sou um coro grego, nada de rótulos). Há um momento a partir de qual o «sofrimento» (aspas) visto de dentro (aspas?) é uma tragédia insuportável, e visto de fora uma farsa abominável (e outros sinónimos). Tenho que seguir quem me chama (ainda vais dizer que sou eu). A representação terminou, no sítio onde estou já nem há palco, estou fora do espaço do teatro (tanto imagismo para dizer uma coisa tão simples). Acabou a corrida em que fugia de mim e do Diabo (what’s in a name?). Agora, tenho que tirar conclusões (disse isso mesmo umas linhas acima). Agora chega (vá lá), i can’t go on i will go on i can’t go on (citação apócrifa), agora chegou o tempo (tanto floreado), agora já não tenho desculpa (facto), agora (continua)