A mentira
Após uma década de ausência, ocupado que esteve em tarefas académicas administrativas, José Barata-Moura regressa aos ensaios em volume com um excelente livrinho de título arrevezado: Da Mentira: Um Ensaio – Transbordante de Errores (Caminho). Este estudo sobre a mentira (pública e privada) analisa textos dos mais intransigentes defensores da verdade (de Platão a Kant), passando pelos que admitem algum grau de mentira necessária ou perdoável (de São Tomás a Maquiavel e a Constant), aos que advogam a mentira como categoria estética benéfica (Wilde) e aos que contestam pura e simplesmente a noção de verdade e mentira (Nietzsche). Num texto bastante denso mas não isento de humor e de alfinetadas ideológicas, que viaja da patrística ao marxismo com a maior das facilidades, Barata-Moura propõe que a mentira seja encarada no contexto da verdade, embora a mentira constitua, obviamente, o oposto da verdade. A mentira não é um continente isolado, uma maldade intrínseca, uma obra de forças demoníacas: a mentira é uma maneira (falsa) de apresentar a verdade, por razões concretas e identificáveis. Ideia com grandes virtualidades argumentativas num momento em que se tem falando tanto da mentira em política (curiosamente, não é citado o ensaio de Hannah Arendt sobre esse tema). E também numa época em que as ideias «progressistas» fariam supor que a mentira privada teria entrado em decadência, por caduca e desnecessária. O que, como se sabe, é um erro transbordante.