26.8.07

Sete rosas mais tarde (2)

Gostava de acrescentar ao texto mais «jornalístico» do Público uma nota pessoal.

Eduardo Prado Coelho era um homem culto, inteligente e pessoalmente afável. Tirando umas picardias menores (ideológicas), escreveu um dos poucos textos atentos sobre a minha poesia (um elogio que me valeu acusações de «estar feito com a esquerda», vindas dos idiotas do costume). Embora fizesse questão de nos seus textos recordar sempre (mas sempre) as minhas ideias políticas, disse coisas simpáticas a meu respeito e tivemos alguns conversas e debates civilizados (o último foi sobre Sarkozy).

O EPC que me interessa é o crítico literário. Especialmente os textos da década de 80, depois das guerrilhas teóricas de 70 e antes do abaixamento da bitola estética dos últimos anos. Se EPC não tivesse escrito os ensaios contidos nos livros que já citei (A Mecânica dos Fluidos e A Noite do Mundo), não teria sido importante para mim.

Disse-lhe uma vez que discordava dele de segunda a sexta e concordava com ele ao sábado. Não era exacto: gostei de muitas de suas crónicas, embora discordasse sempre em matéria política; e estava longe de alguns dos seus gostos e pressupostos em literatura «hard» e em literatura «soft». Mas foi o crítico português que mais li, o que me chamou a atenção para mais autores e um dos que escreveu textos mais fascinantes sobre temas de «história das ideias».

Não gostava do EPC «mandarim». Não gostava de uma altivez de quem já leu os livros que nós nem conhecemos, não gostava do modo como desqualificava as pessoas dizendo «não sei quem é», não gostava das bençãos papais e dos anátemas que lançava, não gostei do tom de algumas polémicas (com Rui Knopfli, Eugénio Lisboa, António Guerreiro), não gostava da sua obsessão pela novidade, não gostava de algumas cedências mediáticas.

Além disso (peço desculpa aos panglossianos), não me identificava nada com a sua proclamada ausência de angústia, que não compreendo numa pessoa inteligente e num mundo pavoroso como este que temos.

Em literatura, o que conta é a obra. EPC não deixou uma obra original (quase tudo o que se refere às ideias foi mais antecipação e divulgação do que pensamento novo), mas deixou estudos importantes sobre os autores da segunda metade do século, sobretudo portugueses. Para mim, que gosto de literatura acima de tudo, isso tem mais interesse do que o seu percurso político errático ou os defeitos que advêm do «excesso» de influência ou de visibilidade.

Termino com uma nota cómica. Muitas vezes me compararam (mais por mal do que por bem) a EPC. Tenho os recortes e as citações. E muitas vezes me incentivaram (mais por bem do que por mal) a ser «anti-EPC» ou mesmo «o anti-EPC». Ignorei a comparação maldosa e o pedido insistente. Achava essas coisas patetas ou preguiçosas.

Não tenho a cultura de Prado Coelho. Não tenho a ambição de Prado Coelho. Os meus interesses são mais limitados, nunca pretendi fazer «carreira» em coisa nenhuma, não sou sociável como ele, não tenho estofo académico, etc, etc.

Além do mais, EPC era um «intelectual dominante», o último que tivemos. As mudanças culturais e mediáticas ocorridas nos últimos anos tornam impossível o surgimento de uma figura semelhante a ele.

Discordei de EPC. Concordei com EPC. Tive irritações com textos dele e conversas agradáveis com ele. Nunca foi um dos meus «mestres» nem uma das minhas «bêtes noires». Tinha respeito por ele. Lamento a sua morte precoce. E regresso aos seus textos sobre Sophia e Herberto, sobre Barthes e Rohmer, porque as miudezas políticas e pessoais não interessam ao futuro.