O falcão
Ouvi pela primeira vez falar em Glenway Wescott num texto de Jeffrey Eugenides para um volume colectivo chamado Lost Classics. Eugenides escolhia como «clássico esquecido» o romance The Pilgrim Hawk, de 1940. Soube que o romance foi entretanto reeditado na espantosa colecção de clássicos da New York Review of Books. Mas antes que a comprasse, recebi a edição portuguesa, publicada pela Relógio D'Água, com tradução de José Miguel Silva.
O Falcão Peregrino é um romance (ou talvez novela) prodigioso em termos de contenção e sugestão, com a acção centrada numa só tarde e num punhado de personagens. O tom é totalmente Fitzgerald, claramente expatriado mas sugestivamente gay. O motivo, a chegada de uns estranhos enigmáticos, é tratado com frescura e subtileza. Na introdução, Michael Cunningham lembra o essencial: que o falcão desta história, sobre quem aprendemos quase tudo, é obviamente um símbolo mas também algo mais e menos que um símbolo. Um elemento da realidade. Ou uma ambiguidade.
Gosto especialmente desta comparação com o homem solteiro: «É assim, pensei então, se avalias mal a situação acabas por te apaixonar por alguém que jamais te poderá amar. Se os amores passados te magoaram de algum modo, não serás capaz de o segurar quando ele te aparecer de novo, não serás capaz de o agarrar com firmeza. A compaixão, ou a autocompaixão, terão embotado as tuas garras, que não deixarão marca nenhuma. Aí, esvoaças novamente para o teu poleiro, frustrado e coberto de vergonha».
Curiosamente, um dos filmes (em sentido técnico) «românticos» de que mais gosto é a fantasia medieval A Mulher Falcão (Ladyhawke, 1985). Em Ladyhawke não temos um falcão entre humanos: temos uma metamorfose do humano em animal que impede a consumação do amor entre Rutger Hauer e Michelle Pfeiffer.