20.9.07

Já que perguntas



Já que perguntas, geralmente nem me lembro.
Ando com roupa sem vestígio dessa viagem.
E então regressa o desejo quase sem nome.

E mesmo então nada tenho contra a vida.
Reconheço as folhas de erva que recordaste,
os móveis que deixaste ao sol.

Mas os suicidas têm uma linguagem especial.
Como carpinteiros, querem escolher os
instrumentos.
Nunca discutem a construção.

Duas vezes já simplesmente confessei,
possuí o inimigo, comi o inimigo,
aprendi a sua arte, suas magias.

E assim, com peso e medida,
mais quente que água ou óleo,
me detive, a boca um orifício de cuspo.

Não penso nas minúcias do meu corpo.
A córnea e a urina desapareceram.
Os suicidas já traíram o corpo.

Nados-mortos, nem sempre morrem,
mas fascinados não esquecem esse droga tão doce
que até crianças encanta.

A vida toda debaixo da tua língua –
Isso é toda uma paixão.
A morte é um osso triste; magoado, dizes,

e no entanto espera por mim, ano após ano,
para tão delicadamente desfazer uma ferida antiga,
para resgatar o meu fôlego da sua vil prisão.

Nesse equilíbrio, os suicidas também se encontram,
amaldiçoando os frutos, uma lua inchada,
deixando o pão que confundiram com beijos,

deixando as páginas de um livro descuidadamente abertas,
alguma coisa por dizer, o telefone fora do descanso
e o amor, que coisa isso fosse, uma infecção.



«Wanting do Die», de Anne Sexton (versão PM).
Do livro Live or Die (1966), vencedor do prémio Pulitzer.
Sexton nasceu em 1928, em Newton, Massachusetts.
Morreu no dia 4 de Outubro de 1974, na garagem da sua casa.