16.9.07

A «libertação sexual» (2)

Não me interpretem mal: é evidente que uma moral sexual baseada na liberdade individual é muito mais positiva do que uma moral sexual baseada na repressão. Não alimento qualquer equívoco sobre esse ponto. Mas estão equivocados aqueles que acham que a «libertação» sexual não tem aspectos sombrios. A «revolução sexual» foi, como todas as revoluções, uma mudança de classe dirigente (ou dos seus instrumentos). Mas continua a haver uma classe dirigente, um poder coercivo, senhores e servos. Quando os islâmicos (e alguns cristãos) dizem que a mulher no Ocidente está mais «explorada» do que nunca, estão a exagerar o argumento; mas é verdade que os corpos nuns das mullheres vendem sabonetes e seguros em cartazes pela cidade. Não tenho nenhuma objecção estética a tal costume, mas não creio que em nenhum sentido útil se possa chamar a isso uma «libertação». Do mesmo modo, a liberalização do aborto é, digamos, a vitória de uma lógica masculina de sexo sem responsabilidade (a «revolução» foi a pílula: o aborto é uma espécie de «fase jacobina» da revolução). A sexualidade hoje é um produto. E é por isso que o capitalismo adora a sexualidade: porque se trata de um produto transaccionável, com cotação no mercado, oferta e procura, leis mais ou menos óbvias. Quando em 68 os jovens burgueses preferem os «orgasmos» às «greves na Renault» o comunismo acaba por derrota clamorosa no campo sexual. É a sociedade capitalista que se revela reformável em direcção ao hedonismo; as ditaduras são por natureza castas ou opressivas. Chegados ao expoente do capitalismo, somos (relativamente) donos das nossas vidas, mas sexualmente vivemos a mesma lei do mercado que se aplica aos arrendamentos de imóveis. Existe um capitalismo sexual que é tão férreo como o vitorianismo. A «libertação sexual» do capitalismo é, como quase todos os produtos capitalistas, um produto agradável mas baseado em ilusões. Desde logo porque o «mercado sexual» do capitalismo é implacável para os «excluídos», como é implacável para os excluídos em todas as outras áreas da vida. Quando temos alguma proximidade com a «classe dirigente» do capitalismo sexual (somos jovens, atraentes ou afluentes) gozamos as delícias da «libertação». Caso contrário, vivemos na mesma miséria em que viviam e vivem todos os excluídos em todos os regimes sexuais.