Camarada Jdanov
Ouvido pelo Público acerca do Nobel 2007, Urbano Tavares Rodrigues diz que Doris Lessing foi premiada pelos seus «valores» e pelo seu «empenhamento». Até aqui nada de novo: há muitas décadas que muita gente critica a agenda política do Nobel. Urbano, pelos vistos, aprova essa agenda.
Mas o escritor comunista vai mais longe e acrescenta que é «muito difícil que grandes escritores cínicos, desencantados, como Philip Roth ou Mario Vargas Llosa, sejam premiados» (cito).
Talvez o epíteto «grandes escritores» signifique que Urbano até os aprecia. Mas parece inquestionável que acima de tudo valoriza o «empenhamento». E que sem «empenhamento», os «grandes escritores» são como que escritores com defeito.
Que um comunista se incomode com Mario Vargas Llosa é normalíssimo. Llosa é o único nobelizável reconhecidamente de direita e talvez o único grande escritor de direita da América Latina desde a morte de Borges. Ainda por cima, foi comunista e deixou de ser, o cafageste. E, cúmulo dos cúmulos, não é daquela direita cavernícola e fascistóide: é um cosmopolita e um liberal. «Grande» que ele seja, não é digno de Nobel.
O caso de Philip Roth é muito mais curioso. Ninguém pode acusar Roth de ter simpatias políticas de direita. O direitismo americano, de Lindbergh a Bush, tem sido regularmente vergastado nos seus romances e entrevistas. Mas ainda assim Roth é, pecado dos pecados, um homem «cínico» e «desencantado», sem grandes ilusões sobre a espécie humana. E isso é mais importante, e mais grave, que o seu currículo esquerdista e que a sua «grandeza». «Grande» que ele seja, nada de prémios suecos.
O verdadeiro escritor «de esquerda», para os jdanovistas funcionais, é ainda o optimista profissional. A literatura «socialista» é (cito Jdanov) «(...) optimista na sua essência, porque é a literatura da classe em ascensão que é o proletariado, a única classe progressista e avançada». Disse.
Senhores Llosa e Roth: não sejam «cínicos» e «desencantados», sff. Aprendam com o camarada Jdanov.