27.11.07

A literatura salvou-me a vida

Veio ter comigo, estava eu no café, reconheceu-me dos jornais, queria conversar um pouco sobre literatura. Disse que cresceu sem livros em casa, que nunca ligou aos livros. Até ao dia em que que descobriu o livro (disse) «da capa verde». Identificou logo: O Inominável, de Beckett, na edição da Assírio. Começou a ler, comprou, descobriu que aquilo lhe dizia alguma coisa, que aquilo lhe dizia muito, lhe dizia tudo. Se a literatura era Beckett, então a literatura era a coisa que mais lhe interessava. Continuou a espreitar os livros nas livrarias («queria só ver como é que os escritores escrevem»), descobriu outros autores que igualmente o fascinavam, como Yeats ou Faulkner («está todo sublinhado»). Agora, para matar o tempo no seu enfadonho emprego de escriturário, escreve, escreve «frases», já escreveu um romance, escreve poemas. «A literatura», diz (extasiado tímido comovido), «a literatura salvou-me a vida». E agradece os minutos de conversa.