30.12.07

Argumentos de classe

«Não uses argumentos de classe», pede um amigo numa discussão, mas isso é pedir de mais. Eu uso sempre argumentos de classe, como aliás toda a gente. É raríssimo encontrarmos alguém que não denuncie de algum modo a sua origem classista: nas opiniões, nos gostos ou nos temas. Há naturalmente alguns «desvios», da gauche caviar à direita «proletária», com as suas contradições e snobismos invertidos, mas mesmo aí encontramos um cinismo ou uma mobilidade social que explicam a coisa. A classe social, como a anatomia, é o destino.

Não me entendam mal: sou alheio a toda a «cumplicidade de classe» e tenho absoluto desprezo pela intolerância social. Mais: desde há mais de uma década que a minha vida tem sido uma acumulada frustração das expectativas «sociais» que me competia concretizar. Não sei de que classe sou, em que categoria me coloca a sociologia. Mas reconheço uma sensibilidade de classe que se nota em tudo, do mais trivial ao mais importante. Da literatura que aprecio aos nomes de que mais gosto, dos objectos que prefiro às mulheres que acho bonitas. Tudo mas tudo tem origem de classe. Nesse aspecto o senhor das barbas estava certo.

Assumir tal «condição» é naturalmente antipático, porque vivemos constrangidos num discurso falso de «sociedade sem classes» (a única excepção aceitável: o self-made man). Mas eu, talvez já imaginem, não acredito em sociedades sem classes. Mesmo quando as revoluções enforcam os aristocratas há sempre quem prepare o incómodo cadafalso e quem comodamente assine o decreto.