2.12.07

Naomi Watts

Houve um crítico que descreveu o registo mais comum de Naomi Watts como «a kind of flustered moral aggrievement», um tormento moral confuso. Mas não são apenas essa substância e esses estados que definem Naomi Watts. Há nela também uma entrega total que é acompanhada de uma enorme dúvida sobre os resultados dessa entrega. Nos seus momentos mais sofridos ou mais apaixonados, nunca Naomi exprime exactamente a alegria das pessoas para quem as coisas são fáceis e imediatas. Algumas vezes os seus papéis exigem uma quase ingenuidade (ou um jogo com a ingenuidade); mas parece quase sempre que ela já pensou naquilo que vai vivendo, talvez porque já o tenha vivido antes. É uma pessimista com esperança, não por ideologia mas por feitio.

Em Eastern Promises, o que acima de tudo canaliza isso é o instinto maternal (como já tinha sido de algum modo em fimes recentes como King Kong ou The Painted Veil). Naomi soube que estava grávida no começo das filmagens, e isso acentuou o que já estava no argumento: aqui todas as cenas vibrantes são de natureza maternal. Como todas as pessoas um bocadinho tristes e um bocadinho desesperadas, ela tem uma espécie de combustível que assegura a sua sobrevivência, que neste caso é a ternura. Todo o seu sofrimento moral passa nalgum momento por gestos ou pensamentos ternos, que aliás nem sempre se distinguem do próprio sofrimento.

Nesse sentido, Naomi Watts não tem felizmente nada a ver com a mulher concreta ou inventada dos tempos moderníssimos, como a «feminista capitalista» das séries televisivas ou a inocente vestida à puta dos videoclips. Naomi sofre e sente, como toda a gente, mas não tem medo de sentir e sofrer à frente dos outros. Essa coragem é que nos comove, porque a vemos tão pouco. E poucas vezes treme assim nuns olhos tão azuis e tão líquidos.