9.1.08

Brighton Rock (1)

Entrei no novo ano a ver Brighton Rock, versão cinematográfica (1947) do romance homónimo (1938) de Graham Greene. Suponho que o filme não tem a fama que merece porque o seu realizador (Jonh Boulting) não é, digamos, nenhum Hitchcock; mas Brighton Rock é um filme a vários títulos magnífico. Não se trata apenas de um dos mais conseguidos «filmes negros» ingleses; Boulting mantém intacto o sentimento de perigo físico e perigo moral que existe no livro. Ao contrário por exemplo da versão Neil Jordan de The End of the Affair este filme não rasura as referência ao catolicismo, essenciais para entender Greene (que escreveu o argumento, em parceria com o dramaturgo Terence Rattigan). Brighton Rock (romance e filme) retira a sua força de uma aliança dificílima entre o realismo sujo e a alegoria moral. Boulting excede-se no primeiro aspecto, e a cidadezinha costeira de Brighton (ou a sua recriação no ecrã) conjuga a animação estival cockney com erupções das «mean streets». O bando do quatro marginais (Pinkie, Spicer, Cubitt e Dallow) é ao mesmo tempo juvenil, quase amadorístico, e assustadoramente letal, no meio de parques de diversões, de cafés e hotéis, ou na solidão já quase homicida de um pontão à noite sob chuva inglesa. Richard Attenborough, no papel da sua vida, encarna o psicopata Pinkie na sua ambiguidade extrema, da sexualidade mutilada à religiosidade tenebrosa, passando naturalmente pelos excessos que ultrapassam a «ética entre criminosos» e que os outros por iso toleram mal. Carol Marsh representa com uma candura pré-sixties a rapariguita sorridente, sofredora e católica. Mas não é apenas uma «alma santa»: Rose conhece os crimes que Pinkie cometeu e fica com ele, ela sabe que corre perigo e não o deixo, e nem sequer é porque o queira «converter». Ela simplesmente aceita que ama um homem com defeitos e está convencida que o amor dele ultrapassa tudo. O amor dele por ela, claro, não existe: Pinkie casa com Rose para evitar que ela testemunha contra ele. Quando Rose lhe pede que grave a voz dele num disco, ele diz para a gravação que a odeia. Mas o paradoxal Greene está interessado naquilo a que chama «the appalling strangeness of the mercy of God». Daí que no final o amor (inexistente) trinufe, através de um estrategema tão simples como um disco riscado. Como sempre no catolicismo de Greene, a alegoria não é devota, mas ambígua.