29.4.08

Regras e «censura»



Vi esta semana dois documentários banais com uma mensagem semelhante: This Movie is Not Yet Rated (Kirby Dick, 2006) e Fuck (Steve Anderson, 2006). Num caso, é contestada a noção de «obscenidade» (e o seu controlo pela Federal Communications Commission), passando pelas famosas «seven words you can’t say on TV» que deram origem a um magnífico sketch de George Carlin. No outro doc, a instituição atacada é a Motion Pictures Association of America, dirigida durante décadas pelo algo mafioso Jack Valenti. Em ambos os filmes se defende o direito dos criadores a usarem a linguagem e a sexualidade que acharem necessária. Ambos ouvem um punhado de talking heads, mártires da liberdade de expressão como Steven Bochco, Hunter Thompson, Howard Stern e, ah pois, Tera Patrick, ou cineastas controversos como Kevin Smith, John Waters Atom Egoyan ou Matt Stone. São exibidas provas convincentes que denunciam a ideologia puritana e preconceituosa da FCC e a MPAA, no primeiro caso agravada pelo poder sancionatório e no segundo pelo secretismo do processo.

Por mais «libertário» que eu me sinta em matéria de criação artística, creio que estes documentários vão longe de mais quando usam o termo «censura». Censura é proibição. Ponto final. Uma classificação de NC-17 prejudica muito a distribuição de um filme, mas não o elimina. Uma indisponibilidade dos canais generalistas para passar certo programa não impede que ele passe com total liberdade em canais pagos como a HBO. Eu não tenho nenhuma objecção a cenas de nudez ou a «fucks» repetidos tantas vezes como em Tarantino: mas há quem tenha, adultos e pais de crianças. Essas pessoas têm o direito de estar protegidas, desde que não impeçam em absoluto a liberdade criativa dos outros. Se alguém quer mostrar uma orgia num filme, tem de aceitar que essa orgia não seja exibido na maioria dos cinemas ou em canais abertos (passe a expressão). Ninguém tem direito a proibir a liberdade criativa, mas também ninguém tem direito a esfregar caralhos e caralhadas na cara dos espectadores desprevenidos.

Sou contra a proibição de quaisquer criações artísticas, excepto aquelas que incentivem objectivamente a prática de crimes previstos na legislação penal. Mas acho que tem de haver regras no mercado, regras éticas e deontológicas e mesmo de defesa do consumidor. Os americanos têm uma obsessão puritana com o sexo, que faz com que toda a violência passe mais facilmente que um simples mamilo, mas isso é a psique americana, que não muda por decreto. Independentemente disso, concordo que há imagens com um conteúdo «potencialmente chocante», ainda que esse critério varie com a geografia e a época. Se há um número representativo de pessoas que se chocam determinados filmes ou programas, então é lícito que esses filmes ou programa seja exibidos em canais de assinatura ou em sessões para maiores de idade. Isso também é a liberdade. E isso de modo nenhum se confunde com a censura.