Sobre o Acordo Ortográfico
Não sou adepto deste Acordo Ortográfico.
Sei que em Portugal já houve alterações «legislativas» à língua (em 1911), e que não veio nenhum mal ao mundo. Reconheço que as duas grafias (portuguesa e brasileira) são um obstáculo à unicidade do português enquanto grande língua internacional. E percebo que uma alteração pode ter vantagens culturais e comerciais.
Também não está em causa a amplitude do acordo: parece que são umas 2 mil palavras alteradas, muitas das quais de uso restrito (científico, por exemplo). E não dou demasiada importância à questões de hábito e de gosto: muitas eliminações de hífens darão coisas horrorosas (como «autorrádio» e «coautor»), mas a língua já tem um número vasto de palavras horrorosas («inadimplemento», «fornicar»). A gente habitua-se a tudo.
É verdade que não me reconheço nalguns argumentos contestatários. Não me preocupa a suposta «cedência» ao português do Brasil: desde logo porque existem cedências mútuas e depois porque não me choca que um país gigantesco como o Brasil tenha um peso significativo na política da língua. O idioma chama-se português mas não pertence aos portugueses.
Aquilo que francamente me desagrada é o critério fonético. Se isto é um acordo ortográfico, que apenas modifica a língua escrita, não me parece sensato que a ortografia siga sempre o critério do português falado. A fonética do português varia de país para país e de região para região. A famosa questão das «consoantes mudas» é polémica, não apenas porque algumas não são realmente mudas, como porque muitas delas fazem falta na pronúncia da vogal seguinte. Em todo o caso, neste acordo a adopção do critério fonético faz-se à custa do elemento etimológico, e não creio que uma língua (ainda para mais antiga) deva abdicar do elemento etimológico, que contém uma explicação histórica e um lastro cultural.
A língua falada é a que utilizamos todos os dias, e ninguém despreza a importância da língua como instrumento prático e quotidiano. Mas a língua, enquanto legado, vive nos textos, e acima de tudo na grande literatura. Nunca falámos com Camões ou Camilo, mas lemos o português que eles escreviam. É o português escrito que dá identidade à língua portuguesa. Alterar o modo como escrevemos a partir do modo como falamos é uma ideia muito discutível.
Sei que em Portugal já houve alterações «legislativas» à língua (em 1911), e que não veio nenhum mal ao mundo. Reconheço que as duas grafias (portuguesa e brasileira) são um obstáculo à unicidade do português enquanto grande língua internacional. E percebo que uma alteração pode ter vantagens culturais e comerciais.
Também não está em causa a amplitude do acordo: parece que são umas 2 mil palavras alteradas, muitas das quais de uso restrito (científico, por exemplo). E não dou demasiada importância à questões de hábito e de gosto: muitas eliminações de hífens darão coisas horrorosas (como «autorrádio» e «coautor»), mas a língua já tem um número vasto de palavras horrorosas («inadimplemento», «fornicar»). A gente habitua-se a tudo.
É verdade que não me reconheço nalguns argumentos contestatários. Não me preocupa a suposta «cedência» ao português do Brasil: desde logo porque existem cedências mútuas e depois porque não me choca que um país gigantesco como o Brasil tenha um peso significativo na política da língua. O idioma chama-se português mas não pertence aos portugueses.
Aquilo que francamente me desagrada é o critério fonético. Se isto é um acordo ortográfico, que apenas modifica a língua escrita, não me parece sensato que a ortografia siga sempre o critério do português falado. A fonética do português varia de país para país e de região para região. A famosa questão das «consoantes mudas» é polémica, não apenas porque algumas não são realmente mudas, como porque muitas delas fazem falta na pronúncia da vogal seguinte. Em todo o caso, neste acordo a adopção do critério fonético faz-se à custa do elemento etimológico, e não creio que uma língua (ainda para mais antiga) deva abdicar do elemento etimológico, que contém uma explicação histórica e um lastro cultural.
A língua falada é a que utilizamos todos os dias, e ninguém despreza a importância da língua como instrumento prático e quotidiano. Mas a língua, enquanto legado, vive nos textos, e acima de tudo na grande literatura. Nunca falámos com Camões ou Camilo, mas lemos o português que eles escreviam. É o português escrito que dá identidade à língua portuguesa. Alterar o modo como escrevemos a partir do modo como falamos é uma ideia muito discutível.