23.5.08

Além da melancolia



Ontem (bad day at black rock) ouvi os dois álbums dos Joy Division na elegante Collector’s Edition que saiu no «ano JD» de 2007 (que também deu o filme Control, um Best Of + Peel Sessions e inúmeras bandas miméticas).

Há um amigo meu que diz que nunca conseguiu gostar de JD porque ele não vai «além da melancolia». E estes discos vão sem dúvida muito além da melancolia. Jon Savage, nas notas à reedição de Unknown Pleasures (1979) alinha as palavras essenciais: «culpa», «medo», «raiva», «claustrofobia», «repulsa», «ódio de si mesmo» e «fatalismo». Nem vale a pena avançar nesta noite escura se isto tudo for alheio a quem ouve. Cada um tem as suas razões para este calvário (as de Ian Curtis chamavam-se «Manchester» e «epilepsia», «rotina» e «adultério»), mas a melancolia não chega, a melancolia não é entrada suficiente nestas canções. É preciso ter passado por aqueles sete pecados mortais. Ou então não reparar de todo nas letras, como os 3 instrumentistas juram que faziam (Stephen Morris: «He seemed fine most of the times»).

Em Unknown Pleasures ainda espreita uma dureza punk (visível nos concertos que vêm como bónus), embora toda interiorizada (nada de «agitação política», até porque Ian Curtis sempre votou Tory). A inteligente produção de Martin Hannett baixou as guitarras e acentuou a batida e o barítono, os efeitos de estúdio, os sons casuais, tornando o disco abstracto mas ainda assim «cinemático» (o termo certeiro é de Savage).

As distopias ballardianas reflectem uma paisagem interior de negrura e isolamento. Ouço de novo «New Dawn Fades» e «Shadowplay» e lembro-me que quando cheguei aqui, já então visitante de terrenos muito «além da melancolia», me senti completamente em casa, uma casa inóspita mas uma casa. E gostei logo da crueza do material aliada a uma frieza na apresentação (as fotos de Corbijn, as capas de Saville), uma espécie de sofrimento hermético e decantado.

Closer (1980) já é outra coisa, um disco funéreo com um túmulo na capa, «Twenty Four Hours» ou «Decades» numa calma densa, gótica, numa distância que afinal não é distância mais a mais doce proximidade. Daquilo que não conheceis não deveis dizer nada.