«Contra o Brasil»
Contra o Brasil (1998) tem a sua graça, porque Diogo Mainardi tem sempre verve e prosa legível. Mas embora se anuncie como «romance», Contra o Brasil não vai muito além de uma antologia comentada de ataques ao Brasil. Desde os relatos da colonização até aos ilustres visitantes contemporâneos (Waugh, Zweig, Bernanos, Camus), Mainardi acumula páginas e páginas de citações que reduzem o Brasil àquilo que o autor acha que é a sua insignificância. Cito uma passagem especialmente divertida sobre a cultura brasileira: «Os poetas brasileiros sempre chegam com cinquenta anos de atraso. O barroco Gregório de Matos imitava Quevedo numa época em que na Europa já reinava a Arcádia. O árcade Cláudio Manuel da Costa imitava Metastásio em pleno romantismo. O romântico Gonçalves Dias imitava Chateaubriand no auge do parnasianismo…. Está me ouvindo? / (…) O parnasiano Bilac imitava Gautier num período em que o mundo descobria o simbolismo. O simbolista Cruz e Sousa imitava Baudelaire à beira do modernismo… Cansou?». É eficaz, mas não sei se nos leva a algum lado. Eu em relação ao Brasil tenho vivido um percurso de aproximação, da minha instintiva repugnância «kierkegaardiana» por uma civilização jubilosa a uma atenção mais detalhada aos ficcionistas e poetas do lado de lá. Não estou especialmente disponível para um discurso «contra o Brasil» porque esse já é o meu preconceito de base. Mas há mais: é que eu reconheço no discurso «contra o Brasil» uma variante do discurso «contra Portugal» que tende para a indigência intelectual. Não sou de todo um «patriota», mas as jeremíadas do «só neste país» são muito monótonas. O combate às nossas patéticas ilusões de grandeza é saudável, mas descamba demasiadas vezes em provocações gratuitas (do género «não existe uma literatura portuguesa»). Não tenho a mais pequena simpatia pela mitologia «paradisíaca» do Brasil, e acho que Mainardi é especialmente agudo na sua instrumentalização de Lévi-Strauss, parodiando o fascínio pelo «selvagem» com um etnocentrismo europeísta digno de um Saul Bellow. Mas para alguém que não vive no Brasil (nem tenciona), ser «contra o Brasil» é um exercício pitoresco mas algo fútil.