29.7.08

O primeiro grau e o segundo grau

Gosto de «Short People» (1978) pela mesma razão de que gosto de muitas outras canções de Randy Newman: pela «negative capability» com que ele se imagina na pele de uma personagen detestável, uma personagem que pensa e diz coisas detestáveis, mas sem que tudo isso descambe em simples caricatura. Há uma espécie de «dignidade» nos preconceituosos de Randy Newman que consiste na sua frontalidade. Mas Newman assume o risco de despertar o lado negro mesmo nas «pessoas decentes». Uma caricatura revela uma verdade escondida, e há sempre o perigo de nos excitarmos com verdades escondidas. As canções de Newman mostram que os «maus sentimentos» não são apanágio dos estúpidos e incultos mas constituem igualmente uma tentação mesmo para os ouvintes «sofisticados». É que o cinismo se parece muito com o preconceito. O cinismo faz com que os inteligentes cheguem às mesmas conclusões dos estúpidos.

«Short People» parece a qualquer pessoa atenta uma denúncia do racismo. Porque descriminar alguém por causa de uma característica física? E no entanto, a canção também serve como um ataque literal às «pessoas pequeninas», sejam os anões que deixam tanta gente desconfortável, seja alguma menina «velhaca ou dançarina» que nos fez mal. Houve aliás quem entendesse isso assim, e não tardou uma proposta de proibição da canção na rádio. A acusação é que Randy Newman ofendia as «pessoas baixas».

O grande problema do «primeiro grau» e do «segundo grau» é que são perigosamente reversíveis.