A tua juventude se possível
Eu respondia que não gostava de Ruy Belo, porque não confessava a ninguém que gostava muito mas me custava também muito. Volto a ele com alguma frequência, e voltei agora de novo na evocação dos trinta anos da sua morte. Regressei aos livros que primeiro descobri, editados pela Moraes (Transporte no Tempo, 1973, Toda a Terra, 1976) e comprados em saldos por tuta e meia. Ainda me lembro como fiquei incomodado quando cheguei a casa e os li noite dentro. Foi uma experiência única: percebi que aqueles poemas me faziam mal. Eu tinha vinte anos, era demasiado cedo para me preocupar com a passagem do tempo, mas já era dado ao sofrimento por antecipação, ainda hoje sou, e foi esse tema que me perturbou logo nos poemas de Ruy Belo, não apenas a passagem mas o “transporte”, as épocas misteriosamente cruzadas, o tempo passado contido no presente e o presente no passado, como em Eliot. E as estações, a sensação de que vivemos na estação errada, de que sentimos emoções mais apropriadas à estação anterior ou à seguinte, à estação autêntica. E as raparigas eternamente raparigas e tão mortais como um relance. Eu pensava que a melancolia era um sentimento suave até conhecer esses poemas. Foi um choque tão grande que fiquei anos sem tirar esses livrinhos da estante, com medo. [...]
(no Público de amanhã)