O regime das relações sexuais
Engels, no segundo capítulo de A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), confessa que não sabe como será o «regime das relações sexuais» depois da extinção do capitalismo. Prevê apenas o desaparecimento de dois aspectos nefastos que ele atribui ao actual sistema económico: a supremacia do homem e a indissolubilidade do casamento. A esse propósito, escreve o seguinte: «Se só o casamento fundado no amor é moral, também só é moral o casamento em que o amor se mantém. A duração do acesso de amor sexual individual, porém, é muito diversa segundo os indivíduos, nomeadamente entre os homens. E um positivo cessar da inclinação ou a sua suplantação por um novo amor apaixonado torna a separação um benefício tanto para ambas as partes como para a sociedade. Poupe-se apenas às pessoas o terem de atravessar o lixo inútil de um processo de divórcio» (cito a tradução das Edições Avante!). Engels não questiona portanto que «só o casamento fundado no amor é moral». Mas o que significa «moral» neste contexto? Moral de acordo com que moralidade? A socialista? Mas existe uma moral sexual socialista? E, havendo, porque exige que o «amor» seja um requisito do casamento e o fim do «amor» uma condição do divórcio? Admito que uma noção puramente «contratual» do casamento parecesse a Engels uma ideia excessivamente «liberal», mas então o que dizer da noção de «amor», imaterial e individualista como nenhuma outra? E depois, se a «supremacia do homem» se deve ao capitalismo, em que medida é que a «duração do acesso de amor sexual» (que tradução trapalhona) não é uma característica socialmente condicionada, que pode ser ultrapassada quando for eliminado o sistema actual? Ou o capitalismo tem culpa de tudo menos da promiscuidade masculina?