22.9.08

Ficha clínica

Órfão de pai e inibido por uma mãe austera, acumulou um sentimento de culpabilidade e um complexo de inferioridade. Desejou mulheres dominantes e agressivas, e exacerbou uma deficiência sexual. Tinha tendências masoquistas. Foi rejeitado e traído, e escreveu páginas vingativas sobre fêmeas animalescas e infiéis. Identificava a natureza com a infância e procurou na mitologia uma justificação intelectual do seu «destino». Não valorizava o sucesso mas cortejava o fracasso. Vivia obcecado pelo suicídio e sempre se comportou como um fatalista.

Eis Pavese segundo Dominique Fernandez. Esta interpretação psicanalítica, quase em jeito de ficha clínica, aparece em Le voyage d’Italie (1997), um «dicionário amoroso» que recupera ideias de L’échec de Pavese (1968). É um conjunto de textos informados e lúcidos mas que contribui para os sintomas que analisa. Um exemplo: Fernandez sugere que Pavese ficou erroneamente conhecido como «intimista» e «realista», quando na verdade foi um «estilista» e um poeta da «incomunicabilidade». Mas quem recusa um Pavese «realista» e «intimista» não deve com certeza esmiuçar a sua biografia à espera de aí encontrar a chave dos textos. Quando é exactamente isso aquilo que Fernandez faz. Quando ele lamenta que os últimos escritos de Pavese sejam «regressivos», podemos perguntar se a leitura biografista de Pavese não é forçosamente regressiva.