18.9.08

A história no cinema

O Público apresenta hoje o ciclo Manoel de Oliveira que decorre em Serralves, com os filmes comentados pelo próprio cineasta. Eis o que diz sobre Gertrud: «É o filme mais fantástico de todos os tempos que eu jamais vi. Toca o absoluto. É uma dama que quer o amor absoluto, mas este não se encontra nesta vida. Acusavam o Dreyer de ser religioso, por ter realizado o milagre. Mas aqui, não, é a procura do amor absoluto. É a relação de um escritor com a sua mulher, que ele acusa de perturbar a sua escrita. Ela percebe que ele não a ama verdadeiramente, e recusa-o. Ela amava-o, mas ele não a amava. No final, em vez de tocar o relógio, na mudança de cena, tocam os sinos. É a morte, onde ela encontra o amor absoluto».

Almocei com Manoel de Oliveira na semana passada, no lançamento deste ciclo, e ele começou o almoço a falar precisamente de Gertrud. E não foi uma apreciação do filme: foi um relato minucioso, quase sem qualificativos e com muitos verbos, coisa estranha num filme de enredo tão sucinto.

Hoje em dia é muito comum vermos filmes reduzidos à caricatura da sua «história». Às vezes ligo para um número do menu do telemóvel que oferece «informações sobre cinema». Consiste numa senhora ou num cavalheiro, ambos fanhosos, que esmiuçam mais de metade da intriga dos filmes em cartaz. É o cinema como «conteúdo» em versão maquinal. Em contrapartida, a maneira detalhada como Oliveira nos contou Gertrud tinha mais a ver com uma «découpage»: o importante não eram as peripécias mas as minúcias da construção narrativa no cinema.