5.11.08

Change

Obama mereceu ganhar. Geriu durante quase dois anos uma campanha sem falhas, primeiro derrotando o mainstream Democrata representado por Hillary Clinton e depois vencendo por larga margem um dos mais prestigiados (e moderados) políticos Republicanos, John McCain. Foi sempre equilibrado e cool, e fez alguns discursos brilhantes. Em pouco tempo, Obama passou de desconhecido a ícone global. Isso não se deveu apenas à sua oposição frontal à Administração Bush, condição necessária mas não suficiente para uma vitória Democrata. Desta vez, o Partido Democrata não escolheu um candidato insípido como Mondale, Dukakis, Gore ou Kerry, mas um político fulgurantemente carismático, num momento histórico em que existem poucos ou nenhum no mundo. Obama tem um percurso de vida extraordinário. Representa ao mesmo tempo as possibilidades do «american dream» e a libertação de um triste passado de racismo e segregação A componente simbólica desse triunfo é evidente, e um evidente motivo de alegria. Mas Obama conseguiu entrar em todos os eleitorados, não apenas os clássicos Democratas mas por exemplo os hispânicos, e ganhou em vários estados «vermelhos». Mais que isso: o mundo votou nele. A eleição de Obama representa (por agora) uma espécie de «americanismo» como raramente se viu. Trouxe esperança e promessas de mudança. Dele se esperam medidas justas como a eliminação da tortura, outra política energética e de saúde, leis de imigração mais tolerantes num país que nasceu com emigrantes. Em matérias financeiras e fiscais, teremos receitas keynesianas e «sociais» que vão responder a uma crise gravíssima, com resultados incertos, e provavelmente um recuo para o proteccionismo económico. Em matéria de costumes e investigação científica, Obama vai manter uma relação pacífica com o tempo em que vivemos e não alimentar escusadas «guerras culturais». A grande incógnita é mesmo a política externa, que não se faz apenas com carisma e voluntarismo, mas com acções decisivas ou negociações intrincadas. O caderno de encargos de Obama inclui uma retirada faseada e sensata do Iraque e o dossiê do nuclear iraniano, para além de outros conflitos mais antigos e duradouros. Se vai ou não fazer diferença haver um presidente americano chamado «Barack Hussein Obama», é ainda uma incógnita. O argumentário contra Obama insistia (e bem) na sua inexperiência executiva, mas é verdade que os grandes momentos fazem os grandes líderes. Cabe a Obama mostrar o que vale, com um Congresso que o apoia, media que o defendem e uma opinião pública mundial que o idolatra. É um Democrata de quem gosto, mas não consigo ter aquela certeza de que ele vai ser um grande presidente que anima amigos meus à esquerda e à direita. Tenho muito medo do messianismo, que com Obama tem atingido dimensões colossais. Que as óbvias qualidades de Obama como candidato sejam as suas qualidades como Presidente, eis um desejo que todos temos. E ou muito me engano ou pessoas como eu, que não teriam votado em Obama, vão ter de o defender muitas vezes contra aqueles que hoje estão eufóricos com a sua vitória. Com presidentes americanos, é costume. A realidade é uma grande escola.