19.11.08

Os gigantes da montanha



Os Gigantes da Montanha, versão da última peça (incompleta) de Luigi Pirandello (Cornucópia, encenação Christine Laurent) é um espectáculo inesperado e fascinante. Em primeiro lugar, porque vemos que Pirandello continuou até ao fim fiel ao teatro sobre o teatro, embora alargando o que se entende por «teatro» ao reino do sonho, da fantasia, do inconsciente (o que é «real» e «imaginado» em Os Gigantes?). Isso vai ao ponto de a peça dentro da peça ser um outro texto de Pirandello (A Fábula do Filho Trocado). Depois, fiquei impressionado com a semelhança entre Cotrone, o mago e mestre-de-cerimónias (o sempre impecável Luís Miguel Cintra), e o Próspero de The Tempest, homem de sabedoria e encantamentos. Finalmente, há a questão do final, desse terceiro acto que nunca foi escrito. O segundo acto acaba com os Gigantes que se aproximam, e isso aumenta a sensação de ameaça, para além de deixar na dúvida o simbolismo desses tais Gigantes. O terceiro acto, cuja sinopse Pirandello ditou ao filho mas nunca escreveu, veria a troupe de comediantes representar a peça perante a criadagem dos Gigantes, que não a compreendem nem apreciam, filisteus que são, e que matam a sofredora Condessa Ilse. Um crime que ecoa o destino do poeta que se suicidou por causa da Condessa. É um final mais perfeito mas mais explicativo. O final escolhido por Laurent, com o som da terra a tremer à aproximação dos Gigantes, tem outra força. Encenações houve (a mais famosa é a de Strehler) que reconstituíram esse terceiro acto em falta, mas uns Gigantes identificados com o público ignaro e ávido não têm o mesmo impacto de uns Gigantes míticos e assustadores, que nunca vemos mas que ouvimos, como os bárbaros do poema de Kavafis, que existindo ou não são a razão de vida de quem os espera.