16.11.08

A ovelha negra

Leio esta frase mortal num texto do guatemalteco Augusto Monterroso: « (…) como naquele dia em que o hipócrita Abel se fez matar pelo seu irmão Caim para que este ficasse mal perante todo o mundo e não pudesse recuperar jamais» (A ovelha negra e outras fábulas, ed. port. Angelus Novus). Caim e Abel não são as personagens certas aqui [eu conheci Caim, e é uma figura bem diferente]; mas essa ideia de se «fazer matar» para que o outro «fique mal» é terrível. Terrível e adequada? Não sei bem. Será que eu me fiz matar? Há muitos elementos que vão nesse sentido. Quem se aventura em zonas perigosas aceita um risco. Mas eu «fiz-me matar» para que ela ficasse mal perante todo o mundo? Não foi isso, de todo, mas é verdade que a minha reacção diferida tem sido essa. Não quero que ela fique mal perante os outros (as pessoas sabem lá quem «ela» é), mas quero certamente que ela fique mal nesta história, nesta narrativa escrita, onde eu aliás já constava mais do que mal (cobarde, estúpido, ingénuo). O que eu não quero é que desta vez, ao contrário das outras, ela fique com uma imagem totalmente inocente e eu saia daqui o mau da fita, o impulsivo, o louco. Chega dessa conversa. Numa relação que falhou, ficam ambos mal um perante o outro. A parte totalmente falsa da frase (neste caso) é que eu não sou hipócrita, mas selvaticamente sincero; e que ela recupera facilmente, que é para isso mesmo que servem os «grupos» de que se rodeia.