31.12.08

2006 /2008

Mas o que foi este psicodrama, ó Mexia? Como dizia o outro: follow me. Todos temos um punhado de experiências que modificam as nossas vidas para sempre, certo? Certo. Esta foi uma delas, e aconteceu que eu tinha um blogue e me apeteceu escrever sobre isso. Ser o sismógrafo de mim próprio, num período violento e perigoso. É que se há episódios que afectam bocados da nossa vida, este afectou todos: foi um acontecimento, como diz o Badiou ou o que é. Há um antes e um depois de 2006, uma pessoa diferente em termos estéticos, psicológicos, políticos, morais, filosóficos, sexuais, científicos, estilísticos, temperamentais, emotivos, sociais e mesmo religiosos. Foi como o trivium e o quadrivium medievais: um curso intensivo sobre tudo. Ela supõe que tomou uma questionável decisão de gosto (não tomou: o gosto dela é irrepreensível), quando na verdade tomou uma decisão ética colossal. Bem sei que vivemos em tempos em que não nos tocamos senão no sentido carnal, em que somos pós dos modernos e tudo é fungível e esquecível em dois minutos. Lamento mas eu sou enxertado de oitocentista (já tinham reparado), acho que aquilo que fazemos fica connosco e também afecta os outros. E às vezes destrói-nos e nós e destrói os outros. Tinha um blogue e dei conta disso, em directo e sem rede, como quem vê um papel no fogo a encarquilhar-se, a ficar negro, a ser desfeito pelas chamas, primeiro as pontas queimadas, depois uns riscos alaranjados que despontam na outra extremidade após um fogacho, depois uma confluência de fogos algures a meio, onde o papel já é uma bola carbonizada, cinza frágil ao toque. Eis o que vistes, e não foi bonito, alguém que fez dois bonecos vudu e foi espetando um e outro como entretém para os convidados, mas gostava que tivesse ficado mais alguma coisa, um homem que como no poema de Yeats «knows all the cost» porque «he gave all his heart and lost». Perdi, perdi em grande, e agradeço a todos aqueles que por bons ou maus motivos foram espreitando a minha derrota.