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Mas o que foi este psicodrama, ó Mexia? Como dizia o outro:
follow me. Todos temos um punhado de experiências que modificam as nossas vidas para sempre, certo? Certo. Esta foi uma delas, e aconteceu que eu tinha um blogue e me apeteceu escrever sobre isso. Ser o sismógrafo de mim próprio, num período violento e perigoso. É que se há episódios que afectam bocados da nossa vida, este afectou todos: foi um
acontecimento, como diz o Badiou ou o que é. Há um antes e um depois de 2006, uma pessoa diferente em termos estéticos, psicológicos, políticos, morais, filosóficos, sexuais, científicos, estilísticos, temperamentais, emotivos, sociais e mesmo religiosos. Foi como o
trivium e o
quadrivium medievais: um curso intensivo sobre tudo. Ela supõe que tomou uma questionável decisão de gosto (não tomou: o gosto dela é irrepreensível), quando na verdade tomou uma decisão ética colossal. Bem sei que vivemos em tempos em que não nos tocamos senão no sentido carnal, em que somos pós dos modernos e tudo é fungível e esquecível em dois minutos. Lamento mas eu sou enxertado de oitocentista (já tinham reparado), acho que aquilo que fazemos fica connosco e também afecta os outros. E às vezes destrói-nos e nós e destrói os outros. Tinha um blogue e dei conta disso, em directo e sem rede, como quem vê um papel no fogo a encarquilhar-se, a ficar negro, a ser desfeito pelas chamas, primeiro as pontas queimadas, depois uns riscos alaranjados que despontam na outra extremidade após um fogacho, depois uma confluência de fogos algures a meio, onde o papel já é uma bola carbonizada, cinza frágil ao toque. Eis o que vistes, e não foi bonito, alguém que fez dois bonecos vudu e foi espetando um e outro como entretém para os convidados, mas gostava que tivesse ficado mais alguma coisa, um homem que como no poema de Yeats «
knows all the cost» porque «
he gave all his heart and lost». Perdi, perdi em grande, e agradeço a todos aqueles que por bons ou maus motivos foram espreitando a minha derrota.