30.12.08

À cidade e ao mundo

De todas as alocuções de fim de ano (presidente, primeiro-ministro, cardeal patriarca) aquela de que mais gostei foi a de Cláudia Vieira, difundida à cidade e ao mundo via Diário de Notícias. E não gostei apenas porque gostaria de Cláudia Vieira mesmo a ler a lista telefónica (gostaria), mas porque a entrevista confirmou tudo o que eu tenho defendido, contra os seus detractores cegos e estúpidos. Comecemos por isto: Cláudia é uma mulher. Quanto o entrevistador diz que ela nasceu em 1979, ela corrige e anuncia que nasceu em 1978. Não há muitas mulheres que corrijam a sua idade para mais, especialmente na fronteira entre décadas. Cláudia tem pois 30, a caminho dos 31, não é uma meninoca qualquer, como uma rapariguelha com quem tentam que ela se confronte, uma rita que não é de cássia e tem uma mamas impositivas. Nada é impositivo em Claúdia, tudo é seguro como a Lianor de Camões pela verdura. Parece que ela ficou «surpreendida» com uma entrevista tão extensa e com tanto destaque num jornal generalista, mas isso é a tranquila modéstia dos grandes. Porque Cláudia está à vontade, do princípio ao fim. Aliás, toda a entrevista é sobre «estar à vontade»: estar à vontade com a celebridade, estar à vontade com a exposição, estar à vontade com os cartazes em lingerie e estar à vontade com as cenas de nudez. A resposta a todas estas dúvidas é simples: Cláudia Vieira está à vontade. Sente-se bem consigo mesma, resguarda a vida privada na medida do possível, gosta de se ver nos cartazes, quis cenas de nudez a contraluz, diz sobre as fotos da GQ «as mais ousadas é que estavam melhores» (um juízo estético como código moral), não ponderou ainda possíveis convites da Playboy portuguesa e quanto aos mupis garante: «é tudo verdade» (i.e. sem Photoshop, mas deixem que veja aqui um aforismo mais elevado). Ela tornou-se conhecida como estrela de novelas, mas agora está nas mentes de todos os homens (excepto os cegos e estúpidos) por causa da Triumph. Quanto a esse assunto, é pragmática: à conta do anúncio, a marca abriu mais lojas e ela, Cláudia, tornou-se mais conhecida e foi eleita a «nona mulher mais bonita do mundo». As feministas degradam as mulheres como sendo «objectificadas» pela nossa sociedade. Mas elas são sujeitos, às vezes sujeitos negociais, e neste caso foi um negócio proveitoso para ambas as partes. Habituem-se. E a «pressão?», pergunta o jornalista. Ela está (já sabem) à vontade com isso, e afasta facilmente propostas indecentes. Aquilo que a surpreende é que faça agora parte do «imaginário» de homens que já a conheciam e que ela não pensava que lhe ligassem nenhuma. A explicação é evidente, tão evidente como a avidez dos cartazes, e que eu aliás já decifrei nos cartazes: Claúdia é uma mulher simples, descontraída, natural, aquilo a que eu chamei, numa expressão contestada, uma rapariga portuguesa. Não há lascívia na persona pública de Cláudia, como se vê quando ela refere a «pele sensível» (é por isso que cora tão facilmente), a tez morena, quando aponta para o peito e diz que desconhece as suas medidas (86-64-94) ou quando confessa que gosta da sua barriga e não gosta das suas mãos (é rara a mulher bonita que gosta das suas mãos, porquê?). Se ela está tão à vontade é porque já foi uma rapariga como as outras, meio «patinho feio» e tudo, muito alta para a sua idade e desportista, até um surfista lhe deu tampa (um surfista cego e estúpido). Depois (aos 17) é que começou a entrar naquelas «avaliações da rapariga mais bonita da escola» (e diz «avaliações» com a mesma tranquilidade com que admite que é bonita). Agora, reconhece que tem outro «estatuto» (o de símbolo sexual), com o qual se sente (mais uma vez) à vontade, e que luta por outro «patamar» como actriz. Sendo actriz de televisão, passa por cima das tricas televisivas nacionais e anuncia o seu interesse em novelas da Globo. É o começo da internacionalização, que também passa pelo cinema. As estreias com CV que aí vêm são fraquinhas, mas o que ela gostava era de trabalhar com cineastas propriamente ditos, filmar com Woody Allen por exemplo: «Pode ser que ele leia esta entrevista» (que doçura). Ela vai entretanto debutar em teatro (Paulo Matos, que a Força esteja contigo), e anda ansiosa, com a barriga às voltas (e nós visualizamos voltas na barriga na Cláudia Vieira). Mas é medo passageiro, porque ela triunfa sempre (viram o trocadilho?). Se Cláudia está tão à vontade com o mundo é porque tem uma relação estável com o mundo, o que também passa por um namoro estável (gosto quando ela refere o namorado com nome e apelido). Aos 30 (não 29), Cláudia ouve o relógio e quer ser mãe um dia destes, até porque aprecia a vida em família. É isso que ela quer da vida, e não necessariamente grandes paixões, que as paixões são inimigas de estabilidade: «Isso dos grandes amores tem dias», e nem La Rochefoucauld o disse mais bem dito. Em todo o caso, em casa, no teatro e no mundo, ela acha que é tempo de mudança. Ela, que é «de centro», assegura que não defende «a mudança pela mudança» (é de centro-direita, vá). Mas uma coisa é certa, ao contrário das meninocas empinadas e esparvoadas, Cláudia não será um epifenómeno, pelo menos se tiver juizinho, e esta rapariga tem mais juizinho que trinta juízes do Supremo. Deus a vigie e proteja, são os meus votos à cidade e ao mundo. Ide, e que ela vos acompanhe. Ámen.