22.12.08

Exit ghost

Há umas semanas participei num debate sobre a publicação do romance póstumo de Nabokov The Original of Laura. A história desse inédito dava ela mesma um romance de Nabokov: ordens enfáticas para a sua destruição no próprio manuscrito, a viúva que não cumpriu, o original fechado num banco suíço, a morte da viúva, as indecisões e contradições do filho, a tomada de posição pública de escritores pró e contra, a espreitadela dos biógrafos autorizados, a ideia de que este romance apresenta uma espécie de Lolita crescida, o «fantasma» (sic) de Nabokov que aparece ao filho autorizando o projecto e enfim a edição em livro.

Com fantasma ou sem fantasma, parece um caso de «testamentos traídos». No ensaio sobre Kafka publicado em Les Testaments trahis (1993), Kundera escreve que foi Max Brod quem inventou Kafka e a «kafkologia». Não se trata apenas de ter publicado os inéditos, mas também de através de biografias, ensaios e prefácios ter construído uma determinada imagem de Kafka: um Kafka religioso e puritano, um São Kafka.

Na verdade, tudo começou num jogo em que Max e Franz, ainda jovenzinhos, prometeram queimar os escritos um do outro. Mais tarde, Brod veio dizer que nem Kafka fez o pedido a sério, nem ele, Brod, o aceitou a sério. E assim se passou da destruição total à publicação total. Kundera reconhece o mérito que Brod teve na edição dos textos ficcionais, mas publicar os textos pessoais foi um caso claro de «testamentos traídos», por mais que a sua destruição nos privasse do Diário e da Carta ao Pai. É uma tese duvidosa, mas eticamente honesta.

Nestas matérias tem de haver um equilíbrio entre a sensatez e o respeito pela vontade explícita ou presumida do autor. Nem tudo o que é lícito é legítimo. A não ser que alguém tenha comunicação directa com o fantasma.