O caderno inglês
O melhor de 2008 estava também no meu caderno inglês, que perdi num táxi, em Lisboa, anotações precisas (e agora imprecisas) da minha última estada londrina. Uma semana sozinho e à chuva e no No Man's Land de Pinter com um Michael Gambon portentoso, na apertada Rough Trade a comprar discos dos Magazine e dos Josef K, na sala do santo divã freudiano em Maresfield Gardens, na Waterstone's de Piccadilly sentado no meio da poesia, nos cinemas e esplanadas de Leicester Square, num teatrinho de bairro em Hampstead ao domingo, numa exposição Bacon com os recortes do estúdio dele (toureiros esventrados, estudos de Muybridge, acidentes de automóvel), na London Review Bookshopo que é a minha ideia de civilização, no Ivanov na versão de Stoppard com as suas cenas de festa e tragédia, no Rothko da fase negra que torna variado e metafísico o negrume total, no tributo a Nico com Cale & amigos. (Peter Murphy imponente, Mark Lanegan cavernoso, a ladina Eleanor Friedberger, os berros de James Dean Bradfield, o cowboy renitente Mark Linkous), na misoginia divertida e dolorosa dos Credores de Strindberg, na minha colecção Bresson completada com Le Diable Probablement, tudo isto e mais, a minha quarta ida a Londres em dois anos, desde que o Pedro me abanou duma tristeza profunda em 2006 com um simples bilhete de avião, Londres como gesto de amizade, Londres como oxigénio na minha fase de dióxido de carbono, num mundo tão triste mas menos exaltante que Strindberg, Nico ou uma tela negra e ainda mais negra de Rothko.