Sono e tempestade
Li uma lúcida entrevista ao centenário Elliott Carter e comprei um disco dele, porque nunca tinha ouvido nada. Uma vez que o idioma musical vanguardista me é desconhecido, escolhi território conhecido: os poemas de Robert Lowell, que Carter adaptou em In Sleep, In Thunder (1981), seis canções para tenor e catorze instrumentos. Os poemas de Lowell, sobre crises pessoais e crises de fé, são maravilhosos, no seu formalismo heterodoxo e nas constantes guinadas de tom. Carter escreveu que apreciava naqueles textos «as mudanças rápidas e controladas, da paixão para a ternura, do humor para o sentimento de perda». A volatilidade dos versos de Lowell (espelho da sua depressão) serve a Carter como exercício mozartiano de contradições. Os poemas (e as canções) são paródicos, pastorais, mas também tresloucados e violentos, como nesse «Dies Irae» que dá o mote apocalíptico ao conjunto (é Deus que fala connosco «in sleep, in thunder»). Tanto nos poemas amorosos como nos poemas religiosos, a irrequietude sofisticada e sofrida de Lowell era um desafio, mas Elliott Carter pegou nesses poemas e compôs canções sofridas, irrequietas e sofisticadas. Homenageou assim o seu amigo Robert Lowell como só um amigo consegue.