31.3.07
30.3.07
Uma oportunidade
É inegável que foi a oportunidade que sempre pedi: apostar tudo. E ou se ganha tudo ou se perde tudo. Perdi tudo. E isso também é uma oportunidade.
A derrota total
Anos e anos com derrotas parciais, que deixavam alguma coisa intocada, um território poupado, uma virtude por testar. E subitamente uma derrota total, em toda a linha, sem que restasse o mínimo recuo, a mínima defesa, a mínima região imune. A derrota total. Aquela a que sempre tinha fugido. Aquela que sempre tinha procurado.
A mãe de todas as batalhas
Sempre que perdia uma batalha pensava que talvez fosse possível que não tivesse perdido a guerra. Mas esta foi a mãe de todas as batalhas: com ela se perdeu a guerra e todas as guerras.
O direito do mais forte
Um título definitivo de Fassbinder: O Direito do Mais Forte à Liberdade (1974).
A verdade
No momento em que estou mais perto da verdade, deixei de acreditar na verdade. Não é uma «defesa» contra a derrota. É a vitória do «sentido extra-moral».
Metal
No escrito de 1873 chamado Sobre a Verdade e a Mentira em Sentido Extra-Moral, Nietzsche diz que a verdade está tão gasta que é como se fosse uma moeda que perdeu a efígie e já não vale como moeda mas apenas como metal.
A cortesia
Um acto temerário: levar os amigos a abdicar da cortesia, de tão saturados que estão. E finalmente ouvir o que eles relamente pensam. E concordar com eles.
O sentido
Aprendeu o sentido da «honra», do «sacrifício», do «dever», e outros valores assim antigos. Não aprendeu totalmente o sentido do ridículo. Quando percebeu, era demasiado tarde. A humilhação desceu sobre ele como fumo na floresta ardida.
Gordon Gekko
Eles vinham de um negócio. Tinham vencido, ou quase, faltava ainda um bocadinho, uma última reunião, um último despique, um último truque. Um negócio vantajoso, falado nos jornais, e eles celebravam uns com os outros, contavam os detalhes do negócio, os detalhes da vitória, ou quase, e no meio faziam provocações pessoais, piadas profissionais, o ego inchado, Gordon Gekkos provincianos, mandavam vir coisas, discutiam, celebravam a sua vitória, ou quase, a sua astúcia, o seu estatuto, a sua superioridade. Ruidosos vencedores.
E eu que julguei que aquilo não tinha nada a ver com a minha vida.
29.3.07
Oásis
A voz rouca e quase excessivamente delicada da semideia Carla Bruni a ler um poema de Yeats, numa gravação feita há 3 dias no Salon du Livre de Paris.
[obrigado Isabel]
28.3.07
Rothko (2)
(algum dos leitores melómanos me sabe dizer que música é esta?)
ADENDA: A música chama-se «Icct Hedral», foi composta por Aphex Twin e aparece aqui numa orquestração feita por Philip Glass [obrigado Ana, Sofia, CJ, Eduardo, João, Miguel e Pedro]
Uma infância maravilhosa
David had «a wonderful childhood», he has said, adding, «Which is tough, because it’s hard to adjust to a miserable adulthood».
(de um perfil de Larry David publicado na New Yorker)
(de um perfil de Larry David publicado na New Yorker)
27.3.07
1840
Num escrito dos últimos anos, chamado Les Privilèges (1840), Stendhal formula este desejo: nunca ser mais infeliz do que foi entre «1 de Agosto de 1839 e 1 de Abril de 1840». As datas referem a sua relação tempestuosa com Giulia Ranieri, mas têm uma força autónoma. E quase apetece repetir o pedido desse privilégio, como se fosse uma oração: nunca ser mais infeliz do que se foi entre 1 de Agosto de 1839 e 1 de Abril de 1840.
26.3.07
Rothko
O estilo pelo qual Mark Rothko ficou conhecido corresponde aos quadros que pintou depois de 1946: rectângulos cromáticos que transmitiam uma grande intensidade sensorial e espiritual.
Nos anos 40 e 50, as cores de Rotko foram predominantemente cores quentes: vermelhos, laranjas, violetas.
Na década de 60, no entanto, Rothko iniciou uma dependência do álcool e das drogas que tornou o seu universo mais escuro; os quadros, formalmente semelhantes aos mais antigos, tinham agora cores frias ou desoladas: cinzentos e negros.
Em 1969, a mulher de Rothko deixou-o, porque ele se tinha tornado impotente.
A 25 de Fevereiro de 1970, Mark Rothko tomou uma overdose de antidepressivos e cortou as veias.
25.3.07
24.3.07
A ironia amarga (2)
Irony oh irony, you are a treacherous son of a bitch,
pretending not to care
about the heights you’ll never reach
(Cowboy Junkies)
pretending not to care
about the heights you’ll never reach
(Cowboy Junkies)
As feridas de hesitação
As chamadas «feridas defensivas» são as que revelam uma tentativa de impedir um ataque perpetrado por terceiros.
Quando o ataque é desencadeado pelo próprio e causa, além das feridas letais, outras feridas superficiais, os médicos legistas chamam a esses cortes «feridas de hesitação». Aquelas que resultam da inépcia ou da falta de coragem.
Quando o ataque é desencadeado pelo próprio e causa, além das feridas letais, outras feridas superficiais, os médicos legistas chamam a esses cortes «feridas de hesitação». Aquelas que resultam da inépcia ou da falta de coragem.
Doutrina
Todas as minhas decisões negativas deram bom resultado. E todas as minhas decisões positivas deram mau resultado. Se isto não faz doutrina, nada faz.
22.3.07
Lamentamos qualquer incoveniente
Se estava a meio de algo, pode ter perdido as informações com que estava a trabalhar.
A ironia amarga
The bitter irony of The Fidelity Wars is that the honesty, vulnerability, and neurotic self-obsession which make Hefner's music so moving are the same qualities which doom each of Hayman's [Darren Hayman, letrista e vocalista] relationships to failure almost before they begin.
Jason Ankeny, no All Music Guide, sobre The Fidelity Wars (1999),dos Hefner
21.3.07
A Casa Fernando Pessoa celebra hoje o Dia Mundial da Poesia, com actividades diversas. Às 21.30, estarei num sessão de leitura de poemas com Maria do Rosário Pedreira, José Luís Tavares, Pedro Sena-Lino, Eduardo Pitta, Fernando Pinto do Amaral e Ana Marques Gastão. Pela noite fora, há música, poesia, todos os pisos da Casa Fernando Pessoa estão abertos ao público (incluindo a Biblioteca), há uma exposição de fotografia de Jordi Burch e haverá uma ceia tardia.
18.3.07
A carta «O Enforcado»
Um eflúvio emocional
as coisas como elas são
aprender com a experiência
combater o mau combate
vulnerável disponível sem controlo
contra a vontade de Deus
O universo
Não é preciso perguntar, como Prufrock, «se me atrevo a perturbar o universo». O universo está-se bem nas tintas.
Seis meses
Dos fracos não reza a história. O que, convenhamos, liberta dos remorsos. Seis meses, segundo os especialistas.
Aceno
Antes de saltar da Washington Avenue Bridge, em Minneapolis, no dia 7 de Janeiro de 1972, John Berryman acenou para as pessoas que olhavam para ele. Não há razão para perder as boas maneiras e a ironia.
17.3.07
Ele desiste
A idade, e as mortes, e os fantasmas.
Ela que se afastou de mim
em espírito. As hostes
do remorso chegam & eu estou vazio.
Não sinto vontade de mudar.
Não quero nada
nem ninguém, conhecido ou desconhecido.
Não creio que
cante outra vez agora;
nem nunca mais. Agora estou sentado
com os olhos cegos
em cima de um coração vazio.
John Berryman (1914-1972), do livro póstumo Delusions etc (1972), trad. PM
Ela que se afastou de mim
em espírito. As hostes
do remorso chegam & eu estou vazio.
Não sinto vontade de mudar.
Não quero nada
nem ninguém, conhecido ou desconhecido.
Não creio que
cante outra vez agora;
nem nunca mais. Agora estou sentado
com os olhos cegos
em cima de um coração vazio.
John Berryman (1914-1972), do livro póstumo Delusions etc (1972), trad. PM
14.3.07
11.3.07
Storytelling
It was confessional, yet dishonest. Jane pretends to be horrified by the sexuality that she in fact fetishizes. She subsumes herself to the myth of black male potency, but then doesn't follow through. She thinks she 'respects Afro-Americans,' she thinks they're 'cool,' 'exotic,' what a notch he 'd make in her belt, but, of course, it all comes down to mandingo cliché, and he calls her on it. In classic racist tradition she demonizes, then runs for cover. But then, how could she behave otherwise? She's just a spoiled suburban white girl with a Benneton rainbow complex. It's just my opinion, and what do I know... but I think it's a callow piece of writing.
«Catherine» (Aleksa Palladino), em Storytelling (2001), de Todd Solondz
«Catherine» (Aleksa Palladino), em Storytelling (2001), de Todd Solondz
10.3.07
Prescrição
Se até um criminoso pode gozar da prescrição dos seus crimes, o homem publicamente humilhado também sai de casa quando se esvai a memória da sua humilhação.
A fidelidade
A única coisa que importa é a fidelidade. Mesmo com todas as decepções e afastamentos e tempestades no fim a fidelidade será recompensada.
8.3.07
Rid of me
You're not rid of me, repete Polly Jean nesta confissão abrasiva. Creio que não há outra frase possível: you're not rid of me. A única coisa que muda é quem diz isto a quem. Ou o quê é que diz isto a quem. Se é que me faço entender.