Só conheço uma peça de Patrick Marber,
Closer (1997), um texto bastante interessante que deu um filme fracassado. Essa peça e os argumentos de Marber para filmes (
Asylum e
Notes on a Scandal, adaptações de romances de Patrick McGrath e Zoe Heller, respectivamente) indiciam um gosto por temas «polémicos» e por uma espécie de crueldade que não é verdadeiramente crueldade.
Explico: enquanto alguns dramaturgos das novas gerações (as Kanes e os Ravenhills) povoam o palco com cenas de sodomia e canibalismo, Marber recupera o drama burguês, e os triâgulos amorosos, mas acrescenta uma espécie de ferocidade
de situações (e linguagem) que, sentimos, não é uma ferocidade de carácter. Isso é tanto assim quanto a crueldade das personagens resulta apenas de uma versão especialmente crua da verdade, e não de um gosto pela perversidade (como em Pinter, aliás um dramaturgo francamente superior a Marber).
Exemplos disso são duas cenas de
Closer. Numa delas, Dan diz a Alice que a vai deixar por outra mulher, Anna. Ele explica: ama Alice
mas acha que vai ser mais feliz com Anna. Isto parece cruel, mas apenas porque é de uma transparência total e absoluta.
Noutro passo, Larry obriga a mulher, Anna, a contar pormenores do seu adultério com Dan.
LARRY: (...) Tocaste em ti enquanto ele te fodia?
ANNA: Sim.
LARRY: Masturbas-te para ele?
ANNA: Às vezes.
LARRY: E ele também?
ANNA: Fazemos tudo o que as pessoas costumam fazer quando fazem sexo.
LARRY: Tens prazer quando o estás a chupar?
ANNA: Tenho.
LARRY: Gostas do caralho dele?
ANNA: Adoro.
LARRY: Gostas que ele se venha na tua cara?
ANNA: Gosto.
LARRY: A que é que sabe?
ANNA: SABE AO MESMO QUE TU, MAS MAIS DOCE.
LARRY: Pronto, está tudo dito. Obrigado. Obrigado pela tua sinceridade. (...)[trad. João Lourenço e Vera San Payo de Lemos, ed. port. Relógio D’Água]
Reparem que isto é uma simples
descrição, cruel apenas porque dita pela esposa adúltera ao marido enganado.
Este interrogatório pede uma enumeração, e corresponde à imaginação feroz que todos inevitavelmente exercitamos quando somos traídos ou abandonados. Mesmo quando Anna grita, essa agressão tem um conteúdo factual («sabe ao mesmo que tu, mas mais doce»). E Larry agradece a «sinceridade». Não a crueldade: a sinceridade.
A crueldade é censurável, mesmo quando é sincera. A sinceridade não é censurável, mesmo quando é cruel.