24.2.07

O mundo

A esperança de ter deixado pelo menos algumas boas recordações. A evidência de ter deixado apenas decepção, amargura e incompetência.

O mundo é o sítio mais triste do mundo.

Incompetente

Não tiveste sequer entrada no capítulo dos «sentimentos». És apenas um incompetente.

Respeito

Uma pessoa que não nos respeita é uma pessoa que confunde as nossas tácticas com o nosso carácter.

Como fazer uma tese

Ser um nota de rodapé simpática ou ser um capítulo antipático?

Suum cuique tribuire

As pessoas que tratámos mal e que ainda assim são gentis connosco. As pessoas que tratámos bem e que não nos respeitam.

Sin and gravity



Troubles, no troubles, on the line, & I can't stand
to see you, I can't stand to see you when you're
crying at home. Scotch & penicillin, please try
Carlton, a cold black maple hanger & husbands
on the run I just got back from a dream
attack that took me by surprise & in there
I met a lady, her name was Shady Sides & she
said, "It's been evening all day long, evening
all day long & how can something so old be so
wrong". Sin and gravity drag me down to sleep
to dream of trains across the sea, trains across
the sea. Half hours on earth, what are
they worth, I don't know. In 27 years
I've drunk fifty thousand beers & they just
wash against me like the sea into a pier.


(Silver Jews, «Trains Across the Sea», álbum Starlite Walker, 1994)

23.2.07

Acaba de chegar às livrarias «Prova de Vida», mais uma intrujice de Pedro Mexia. Textos a pagar que estiveram disponíveis gratuitamente na net, bloguices adolescentes em forma «nobre» de livro, «diários» a prometer detalhes sexuais (tá bem abelha), um submarino simbólico pilotado por um gajo obeso e com um penteado discutível, e lá dentro uma escrita a que as editoras chamam «reflexiva, desconcertante e mordaz», quando é apenas deprimente, trivial e javardolas. A badana biobibliográfica mostra que Mexia, aos 34 anos, não fez nada na vida. A badana dos elogios reproduz um panegírico de um «Osvaldo Silvestre» (personagem obviamente inventada) que diz que a escrita de Mexia é «gnómica». Gnómica? Morde aqui a ver se eu deixo.

Uma vez que tudo se perdeu

Quem não tem nada a perder é porque já perdeu tudo.

A crueldade e a sinceridade

Só conheço uma peça de Patrick Marber, Closer (1997), um texto bastante interessante que deu um filme fracassado. Essa peça e os argumentos de Marber para filmes (Asylum e Notes on a Scandal, adaptações de romances de Patrick McGrath e Zoe Heller, respectivamente) indiciam um gosto por temas «polémicos» e por uma espécie de crueldade que não é verdadeiramente crueldade.

Explico: enquanto alguns dramaturgos das novas gerações (as Kanes e os Ravenhills) povoam o palco com cenas de sodomia e canibalismo, Marber recupera o drama burguês, e os triâgulos amorosos, mas acrescenta uma espécie de ferocidade de situações (e linguagem) que, sentimos, não é uma ferocidade de carácter. Isso é tanto assim quanto a crueldade das personagens resulta apenas de uma versão especialmente crua da verdade, e não de um gosto pela perversidade (como em Pinter, aliás um dramaturgo francamente superior a Marber).

Exemplos disso são duas cenas de Closer. Numa delas, Dan diz a Alice que a vai deixar por outra mulher, Anna. Ele explica: ama Alice mas acha que vai ser mais feliz com Anna. Isto parece cruel, mas apenas porque é de uma transparência total e absoluta.

Noutro passo, Larry obriga a mulher, Anna, a contar pormenores do seu adultério com Dan.

LARRY: (...) Tocaste em ti enquanto ele te fodia?

ANNA: Sim.

LARRY: Masturbas-te para ele?

ANNA: Às vezes.

LARRY: E ele também?

ANNA: Fazemos tudo o que as pessoas costumam fazer quando fazem sexo.

LARRY: Tens prazer quando o estás a chupar?

ANNA: Tenho.

LARRY: Gostas do caralho dele?

ANNA: Adoro.

LARRY: Gostas que ele se venha na tua cara?

ANNA: Gosto.

LARRY: A que é que sabe?

ANNA: SABE AO MESMO QUE TU, MAS MAIS DOCE.

LARRY: Pronto, está tudo dito. Obrigado. Obrigado pela tua sinceridade. (...)


[trad. João Lourenço e Vera San Payo de Lemos, ed. port. Relógio D’Água]

Reparem que isto é uma simples descrição, cruel apenas porque dita pela esposa adúltera ao marido enganado.

Este interrogatório pede uma enumeração, e corresponde à imaginação feroz que todos inevitavelmente exercitamos quando somos traídos ou abandonados. Mesmo quando Anna grita, essa agressão tem um conteúdo factual («sabe ao mesmo que tu, mas mais doce»). E Larry agradece a «sinceridade». Não a crueldade: a sinceridade.

A crueldade é censurável, mesmo quando é sincera. A sinceridade não é censurável, mesmo quando é cruel.

A minha reacção

Breath rising and falling
expansion contraction
why'd you tell me this?
were you looking for my reaction?


(The Mountain Goats, com uma guitarra zangada)

Nightingale

O mundo, como sabem os nietzschianos (e os yuppies), está dividido em «fortes» e «fracos». Em «vencedores» e «perdedores».

E uma pessoa mentalmente saudável prefere sempre um vencedor a um perdedor. Escolhe os fortes em vez dos fracos. A não ser que esteja a estagiar para Florence Nightingale.

22.2.07

Epílogo

A minha mãe tem um hábito curioso: quando vê um filme na TV, levanta-se ou desliga assim que termina o desenlace. Ou seja: raramente assiste ao epílogo. Segundo a minha mãe, a história está resolvida, e o epílogo são rodriguinhos inúteis.

Eu também gostava de desligar no desenlace. Mas não desliguei. E, se não se importam, vou ficar a ver o epílogo até aos créditos finais.

21.2.07

Quarta-feira de cinzas

Porque não espero voltar de novo
porque não espero
porque não espero voltar


(T.S. Eliot, Ash Wednesday)

20.2.07

Há um pedinte e tocador de pífaro que costuma actuar no Rossio e que agradece as moedas assim: «muito muito muito muito muito obrigado».

O Estado Civil atingiu hoje as quinhentas mil page views. Faço minhas as palavras do pedinte.

Carnaval

Vou de homem.

O castigo adequado

Imaginei sempre várias formas de fracasso. Várias menos esta: não acreditar em nada. É o maior castigo para quem teve uma formação baseada em certezas, crenças, convicções. É como porem um fidalgo numa estrebaria. É o castigo adequado para mim.

Tudo menos a verdade

Não tenho idade nem estatuto para me pedirem «conselhos aos mais novos». Se alguma vez pedirem, não respondo. É que eu só tenho um conselho para os mais novos, e é um conselho pouco educativo: mintam. De todas as maneiras possíveis: omitam, eufemizem, desconversem, escondam, ficcionem. Tudo menos a verdade. A minha experiência «vale o que vale», mas vale isto: tudo menos a verdade.

Policy of truth

You had something to hide
Should have hidden it, shouldn't you
Now you're not satisfied
With what you're being put through

It's just time to pay the price
For not listening to advice
And deciding in your youth
On the policy of truth

Things could be so different now
It used to be so civilised
You will always wonder how
It could have been if you'd only lied

It's too late to change events
It's time to face the consequence
For delivering the proof
In the policy of truth

Never again
Is what you swore
The time before
Never again
Is what you swore
The time before

Now you're standing there tongue tied
You'd better learn your lesson well
Hide what you have to hide
And tell what you have to tell

You'll see your problems multiplied
If you continually decide
To faithfully pursue
The policy of truth

Never again
Is what you swore
The time before
Never again
Is what you swore
The time before




Nem Cristo, nem Buda, nem Kant. Bastava teres ouvido com atenção os Depeche Mode.

19.2.07

Time out of joint (2)

Escrevi isto: «depois de saber a verdade pelo fantasma». Como se fosse apenas mais um facto. Quando é uma chave.

Time out of joint (1)

Hamlet, depois de saber a verdade pelo fantasma, diz:

Rest, rest, perturbed spirit! So, gentlemen
With all my love I do commend me to you:
And what so poor a man as Hamlet is
May do, to express his love and friending to you,
God willing, shall not lack. Let us go in together;
And still your fingers on your lips, I pray.
The time is out of joint; O cursed spite,
That ever I was born to set it right!
Nay, come, let’s go together.


(acto 1, cena 5)



O tempo saiu dos seus gonzos. Mas essa maldição eu não posso anular.

Lot

A mulher de Lot (Gn, 19) olhou para trás, para ver uma última vez a cidade destruída. E assim se tornou numa estátua de sal.

É isso que acontece quando olhamos para o passado: ficamos petrificados. Mesmo que o passado seja uma cidade de onde acabámos de sair.

O Autor

Cheio de entusiasmo funesto, o Autor não tem porém direito de atingir ninguém com o que escreve. O Autor só tem direito a atingir o Autor. Direito e dever.

Os corações lívidos

Vou, volto, danço de roda das trípodes e das fogueiras, devasso os corações lívidos dos vivos e o seu frágil comércio sentimental.

Agustina Bessa-Luís, A Muralha, 1957

18.2.07

Delgados



Humberto Delgado, Pedro Delgado, Luís Delgado




The Delgados

Os génios também gostam (2)

A irreprimível alegria de Mozart não nasce apenas da sua disposição juvenil. Sucede que Mozart fodia. Dos três grandes, era o que único que. Bach não fodia: procriava (vinte filhos). E Beethoven fodia quando podia (que era quando Deus queria).

Os génios também gostam (1)

Numa carta à mulher, Constance, Mozart diz que tem saudades do rabinho dela (na versão inglesa que li: «your beautiful little ass»). É bom saber que os génios também gostam.

Um jogo com clichés

Via Adufe (obrigado), chego ao videoclip dos Divine Comedy «Diva Lady» (álbum Victory for the Comic Muse, 2006). Claro, os clichés do «romance», da «masculinidade» e do «feminino», da «sociedade de consumo», da «classe» e do «gosto». Claro, a ironia do ironista, a estetização do esteta. Mas os clichés não são apenas clichés. São as regras do jogo. Este é um jogo que se joga com clichés. Acredito que o Neil Hannon saiba isso. Mas aceitar isso é cair no desespero, e essa comédia não é divina.

Ministério do Emprego

Qualquer dia conheço tantos médicos como taxistas.

Obras de misericórdia

Visitar os doentes é uma obra de misericórdia, mas viver com os doentes não é coisa que se peça a ninguém.

A vergonha

Quando a vergonha já não é uma reacção a um acto mas se tornou uma condição.

Solitária

Já que fui condenado à prisão, optei pela «solitária». Cumpro o castigo à mesma e sempre se desespera mais depressa.

Ateísmo

Nunca imaginei que o ateísmo fosse um efeito secundário.

Agora que



Damien Jurado, And Now That I'm in Your Shadow, 2006

Estúpido

Sempre que descobria mais um defeito, pensava para mim mesmo «pelo menos não sou estúpido».

Agora que descobri que sou estúpido, nem esse consolo tenho.

Campeonato e taça

Ser derrotado ao mesmo tempo no campo do valor e dos valores.

Tecnologia

No seu último artigo, Pacheco Pereira retoma um dos seus (e meus) temas favoritos: as coisas que já desapareceram. O elenco inclui «as máquinas de escrever, os copiógrafos, a tipografia a chumbo, os selos do correio, o rolo de fotografias, o gravador de fita, as disquetes, o telex, o fax, o vídeo».

Mas isso, claro, são apenas tecnologias extintas ou moribundas, substituídas por outros métodos mais modernos. Não nego de modo nenhum o elemento nostálgico, mas não se perde verdadeiramente nada com esses desaparecimentos, excepto gestos antigos ou fetiches.

Infelizmente, também perdemos estados, sentimentos, pessoas. E isso não se substitui nunca. A vida, ao contrário da tecnologia, não obedece à lei do progresso. Obedece à lei do remorso.

17.2.07

Franjinhas


Cavalos

No documentário A Decade Under the Influence (1999), Robert Altman manifesta o seu pouco apreço pelo guião na economia de um filme. Quando lhe perguntam para que é que serve um guião, ele responde: «para saber se há ou não cavalos».
A chuva, inclemente, espatifou o meu telemóvel. Amigos, conhecidos e publicidade enganosa que tenham ligado nos últimos dias não tiveram resposta por esse motivo. Entretanto, o bicho novo já está activado. O número é o mesmo. Agradecido.

15.2.07

Políticas da amizade (3)

O silêncio entre os amigos não funciona sem o riso, e o riso mostra os dentes, como a morte.

Jacques Derrida, Politiques de l'amitié

Políticas da amizade (2)

Os biógrafos dizem que Nietzsche defendia a amizade sem proximidade. A ser assim, é uma das suas ideias mais injustamente esquecidas.

Políticas da amizade (1)

Talvez exista, como Nietzsche sugeriu, uma «verdade no sentido extra-moral»; mas não existe certamente nenhuma amizade no sentido extra-moral.

Thank you



Agradeço empenhadíssimo às minhas produtoras.

14.2.07

Prisão domiciliária

Desde o início da adolescência que nunca passei tanto tempo em casa. Há três ou quatro ou cinco anos, nunca estava em casa, ia a casa dormir ou trabalhar no computador e pouco mais. Agora, estou sempre em casa. Trabalho, descanso, como, faço tudo em casa. Estou murado, barricado, isolado, como quem tem uma doença contagiosa. A minha vida antiga está-me interdita, estudo mapas da cidade para encontrar saídas e desvios quando saio de casa, corro de um lado para o outro, estou na rua como quem é procurado pela polícia. Em casa, posso fazer o que quiser, mas não acontece nada. Não me acontece nada. É uma prisão domiciliária e um hospital de campanha, um asilo de lunáticos e um mosteiro de contemplativos. Conheço agora intimamente as lâmpadas, os lambris, as torneiras, as franjas do tapete, a perna da mesa, uma pequena falha numa parede, o toalheiro, a esquina lascada do frigorífico, o barulho das molas, a chuva na varanda, a persiana que deixa escapar alguma luz, o crocitar do esquentador, o armário dos cobertores, a caixa das bolachas, a mesa de cabeceira, o cheiro das almofadas, o pó na televisão, os discos arrumados na letra errada, os cadernos pretos e os castanhos, o cortinado do chuveiro, as colheres de sopa e as colheres de sobremesa. Conheço isto como nunca conheci, como se antes fossem coisas que sabia vagamente e agora fossem coisas que fixo minuciosamente. Estou em prisão domiciliária, com medos, com dúvidas, com achaques, estou em prisão pelos crimes que cometi e pelo crime que vou cometer, uma prisão antecipada, uma prisão amena, uma prisão insuportável, a prisão a que estou condenado pelo delito de ter falhado. E sei, no meio dos tristes objectos carcerários, que esta sentença é final. Desta sentença, ó meus amigos, não há recurso.

Ética

Houve alguém que chegou a este blogue via Google com a genial (e completíssima) pesquisa «amizade ex-namorada amiga homem mulher».

Divertimento

Alguém me diz: «Tenho lido o blogue. Muito divertido». Primeiro imagino que aquela pessoa não lê o meu blogue há bastante tempo, porque nos últimos meses isto tem andado tudo menos divertido. Depois, penso que não, que nos últimos meses é que tem sido divertido, uma espécie de circo mental em directo, o homem que jogou tudo e perdeu tudo. O homem que passeia entre os leões, sabendo que mais tarde ou mais cedo eles têm fome.

Friend of a friend

Ontem, um amigo meu apertou a mão a Emmanuelle Béart.

Auto-retrato

Destruído pela decisão, apoio a decisão.

Objectivamente

Nunca fui um simples pessimista. Sempre fui um derrotista. Mas também um furioso subjectivista. Assim sendo, estava preparado para todas as derrotas que acontecessem por motivos subjectivos. No entanto, não estava pronto para uma derrota fundada em motivos objectivos. Uma derrota que podia ser prevista por um sociólogo ou mesmo por um computador. Se querem saber o que custa mais, digo que é isso que custa mais: que mesmo um computador pudesse conhecer antecipadamente o resultado.

A tragédia de um optimista

Uma farsa é uma comédia em que um pessimista se porta momentaneamente como um optimista.

13.2.07

What would the community think



My God what would the community think / You are so beautiful, you are so beautiful. // All the things that people do in winter, / They all melt down in summer

(Cat Power)

[para H., para que não ligue ao que os outros pensam]

Medo do ridículo

Quem lê o que escrevo, sabe que nunca tive medo do ridículo. Tenho muito medo de ser ridículo. Mas, uma vez ridículo, não tenho medo nenhum de escrever sobre isso.

Prolongamento

Como um tempo de prolongamento em que no entanto fosse proibido marcar golos. Um acrescento, mas não uma mudança de resultado.

Water doesn't give a damn (2)

And I want to be like water if i can
Cos’ water doesn’t give a damn


(Silver Jews)

Water doesn't give a damn (1)

Passei trinta e poucos anos a tentar conseguir, a tentar acreditar, a tentar fazer coisas. Agora não quero senão desconseguir, deixar de acreditar, desfazer o que fiz. Não me importar com nada. Sair de cena.

Uma comédia (sinopse)

Nunca me senti derrotado pela esquerda ou pelos ateus ou por pessoas de outras «classes sociais». Mas fui excomungado pela direita, desprezado pelo meu «meio social» e abandonado pela religião em que nasci. Com inimigos e adversários tive alguns combates. Mas foi «o meu lado» que me venceu. O que, convenhamos, dava uma boa comédia.

Sociabilidade

Se quiseres que os teus amigos sejam absolutamente sinceros contigo, ficas sem amigos. A amizade, como qualquer forma de sociabilidade, inclui uma dose necessária de mentira e hipocrisia.

As razões de um não

Um bom resumo quanto às razões do meu «não» ao aborto, neste blogue:

“Assim não. Não consigo engravidar ninguém.”. Pedro Mexia

12.2.07

Morrer longe

Quando uma mulher nos pede que vamos «morrer longe», devemos sempre satisfazer ambos os pedidos.

Nada

Uma mensagem que, traduzida, diz isto: que nada daquilo em que eu acredito é verdade. Nada. Se isso for verdade, não sobram muitas saídas.

A escolha

No campo amoroso, sou mais pela escolha do que pela vida.

Competição

Tentar competir comigo não adianta. Eu reconheço sempre a superioridade do outro. E entrego os pontos, tiro a equipa de campo, atiro a toalha, ergo a bandeira branca, bato em retirada, entrego o pescoço ao animal feroz.

While they're doing it

Conde Fersen (2)

O conde Fersen tinha tudo: era um aristocrata endinheirado, um militar medalhado, um amante com uma vultuosa colecção de conquistas. E tinha, naturalmente, um aspecto físico atraente: «(...) alto, magro, tinha um rosto afilado, olhos escuros e intensos por baixo de umas sobrancelhas espessas e um ar ligeiramente melancólico». Mas as pessoas esquecem que ele não foi apenas um amante esporádico de Antonieta; o fidalgo sueco foi de uma fidelidade sem falhas ao longo da vida. Muitos anos depois do seu caso com Antonieta, foi Fersen quem arranjou a carruagem que a família real usou na sua infausta fuga; foi Fersen que tentou que a Áustria pagasse um resgate para libertação da raínha; foi Fersen que congeminou vários planos de assalto à prisão onde Antonieta estava encarcerada.

Isto de «quem fode quem» anima naturalmente as plateias. Mas, no fim de contas, a fidelidade é que importa.
Achaques simultâneos do computador e do bloguista interromperam a actividade do EC e a resposta aos mails nos últimos dias. Esperemos que as intervenções médicas e informáticas resolvam a situação. Até já.

8.2.07

Conde Fersen

Maria Antonieta

(no interrogatório final)

A antiga rainha queria que a França fosse grande e feliz, nada mais importava. Gostaria pessoalmente que continuasse a existir um rei no trono? Maria Antonieta respondeu que se a França quisesse um rei, gostaria que esse rei fosse o seu filho, mas que ficaria igualmente feliz se a França quisesse continuar sem um rei.

(Antonia Fraser, Marie Antoinette – The Journey (2001), ed. port. Oceanos, trad. Irene e Nuno Daun e Lorena)

Luís XVI

Luís XVI não era um tirano. Luís XVI era um fraco. O que é pior.

Libido for the ugly

O ensaio de Mencken The Libido for the Ugly (1927) é sobre arquitectura.

A origem do homem (5)

Os cientistas explicam que as mulheres preferem homens mais masculinos durante o período fértil e homens mais femininos no restante ciclo menstrual. Ou seja, quando são irrelevantes.

A origem do homem (4)

Atraente (simétrico, ombros largos, o torso em V e um maxilar bem desenhado) significa saudável e saudável significa com bons genes.

A origem do homem (3)

A sobrevivência do mais apto. E naturalmente o extermínio do mais inapto. Aliás, o inapto faz isso sozinho.

A origem do homem (2)

Cientistas escoceses do Instituto de Investigação Facial fizeram uma experiência muito curiosa. Primeiro, mostraram a um conjunto de mulheres fotos de homens jovens, parecidos uns com os outros, em pose neutra. Depois, pediram que elas os pontuassem em termos de «sex appeal». Em seguida, as mulheres viram as mesmas imagens acompanhadas de vídeos que captavam as reacções de outras mulheres a essas imagens. E de novo lhes foi pedido que pontuassem os homens.

O resultado foi que as mulheres deram nota mais alta aos homens que estavam ao lado de mulheres sorridentes. Havia um efeito de empatia e imitação: as mulheres escolhiam como mais atraentes os homens que as outras mulheres escolhiam como mais atraentes. Ou seja, seleccionavam por imitação, um mecanismo cultural de selecção que mostra que as escolhas são mais racionais e menos individuais do que se pensava.

(via Ciência ao natural)

5.2.07

Urdu no Nebraska

Imaginem um tipo que vai para o Nebraska e se dirige a toda a gente no idioma urdu. Embora saiba que mais ninguém fala urdu naquelas paragens, ele usa exclusivamente essa língua asiática com os locais, como se todos o entendessem. Quando a paciência dos cidadãos se esgota, o lunático acaba mal.

Quem não sabe falar a língua que todos entendem ou aprende ou está calado.

Ciências morais

Há uma expressão muito curiosa, usada em cursos e Academias: «ciências morais».

Tenho lido recentemente alguns livros de genética e biologia. Não tanto por serem ciências mas porque intuo que sejam ciências morais.

A origem do homem

Em The Descent of Man (1871), Charles Darwin propõe uma tese muito ousada sobre a selecção sexual. Ele explica que os machos de uma espécie não competem apenas com as outras espécies (por comida e território) mas também com os machos da mesma espécie. A competição é a condição natural dos machos, assim como a escolha (e a reprodução) é a condição natural das fêmeas. Darwin vai muito mais longe do que outros biólogos, admitindo que as fêmeas escolham de acordo com critérios estéticos (o que justifica certos ornamentos que alguns machos possuem). É uma estética instrumental (ao serviço da procriação saudável) mas que introduz um critério de escolha quase subjectivo.

4.2.07

A liberalização

Sou totalmente contra a liberalização do casamento. Acho que não devia ser feito simplesmente a pedido, com prazos tão alargados, sem motivos ponderosos e sem duas tentativas de dissuasão do casal.

Hurricane

Na nova versão do blogue, aparecem lá em cima publicidades, sem que eu saiba como. Estive para pedir que me tirassem aquilo dali. Mas depois achei que este anúncio tinha sido feito à medida: «Help Rebuild Lives & Communities in Hurricane Affected States». É isso mesmo.

Cancelamento (2)

Sempre que eu fui cancelado, em poucos meses a minha «ex» estava feliz da vida com outra pessoa. Digo isto como um auto-elogio.

Cancelamento (1)

Há um divertido poema da inglesa Sophie Hannah (n. 1971) sobre a alegria do cancelamento. A vida literária é uma chatice, e há um júbilo evidente sempre que uma literatice é adiada ou cancelada. Rejubilam os organizadores, os moderadores, os poetas, os romancistas, os universitários, os jornalistas, o público e as meninas dos comes e bebes. No fundo, ninguém quer fazer aquilo, ninguém quer estar ali, ninguém quer perder tempo. A «vida literária» é uma obrigação enfadonha. O cancelamento, esse, é um prazer genuíno.

A imunidade do abandonado

Curioso conceito, a «imunidade do abandonado». Mesmo porque o abandonado usa e abusa dessa imunidade, vive o seu estatuto de modo excessivo, interminável, a dado momento os amigos já não aguentam a distância, a indiferença, a hostilidade, a dado momento os amigos já não aceitam a imunidade. E o abandonado é de novo abandonado. Agora sem «imunidade» de espécie nenhuma.

3.2.07

Photoshop



Obrigado, mas não obrigado. Eu já não trabalho com Photoshop.

Mais e menos

As mulheres interessantes são mais interessantes que os homens interessantes. São é menos.

2.2.07

Ide em paz e o Senhor vos acompanhe

Não posso com tanta ironia [Fernando Assis Pacheco]

Apago uma mensagem três vezes e três vezes a mesma mensagem se mantém inapagada no telemóvel. Não posso com tanta ironia.

O boato

Sou um tipo demasiado chato para gerar boatos, pelo menos sobre a minha vida privada. Julgo que nos tempos da faculdade algumas pessoas achavam que eu era vagamente homossexual. E talvez algumas pessoas ainda achem isso (aliás com argumentos plausíveis: «34 anos, vive sozinho, escreve poesia»). Mas hoje alguém me disse que corria o boato de que eu me tinha casado. Fiquei contente por ter gerado um boato, mas estupefacto com a natureza improvável da coisa. Não se trata apenas das minhas «conhecidas reticências face à instituição casamento»: trata-se também das conhecidas reticências da instituição casamento face a mim. Só uma vez é que uma mulher admitiu como hipótese remota vir a casar comigo, e mesmo aí foi porque eu puxei o assunto numa das crises de sonambulismo dela. Eu não sou nada «casável». Há razões plausíveis: «34 anos, vive sozinho, escreve poesia».

Hipócrates

Devo ser a única pessoa a quem os médicos dizem repetidamente: «você teve muito azar». Sempre imaginei que uma frase dessas estava proibida pelo juramento de Hipócrates.

1.2.07

Livro do mês (e adjectivo do mês)

Bem e mal

Se a vida «umas vezes corre bem» e outras vezes «corre mal», então não há ninguém mais preparado para «a vida» que um maníaco-depressivo. Basta que esteja maníaco quando a vida corre bem e esteja depressivo quando a vida corre mal. Se for o contrário, já acho fodido.

O visível

O Testemunha de Jeová chegou ao pé de mim e perguntou se eu acreditava «no invisível». Respondi que sim, mas que ultimamente o visível é que me anda a dar cabo do juízo.

Inactual

Se eu fosse uma personagem de teatro, gostava de ter um nome como o desta personagem de Vestido de Noiva (1943): «Homem Inatual». Ou mesmo o nome de outra personagem da mesma peça: «Segundo Homem Inatual».

De menos

Nelson Rodrigues respondeu assim aos que diziam que havia «incesto demais» nas suas peças: «como se pudesse haver incesto de menos».

Os selvagens conservadores

Os poemas selvagens do conservador Philip Larkin. As peças selvagens do conservador Nelson Rodrigues.

O «moderado»

É verdade, sou um «moderado» em política. Sempre preferi ser radical em coisas que me apaixonam.