30.6.07

Insultos (2)

Sou «insultado» com insultos que não são insultuosos. Uns (os insultos políticos) contêm geralmente erros de facto. Outros (os insultos físicos) debitam evidências factuais. Outros ainda (os insultos literários) são simples opiniões.

Mas há um tipo de insultos de que gosto especialmente. São aqueles que, no meu léxico, são qualidades, como «esteta» ou «elitista».

Insultos (1)

Ela disse «isso é porque tu és um esteta», e desta vez não foi um insulto.

Undatable

SEINFELD: Elaine, what percentage of people would you say are good-looking?

ELAINE: Twenty-five percent.

SEINFELD: Twenty-five percent? No way, it’s like 4 to 6 percent. (…)

ELAINE: So basically what you say is ninety-five percent of the population is undatable?

SEINFELD: Undatable.

ELAINE: So how are all these people getting together?

SEINFELD: Alcohol.

(episódio «The Wink», série #7)

29.6.07

Spam

«Um e-mail não poderá ser considerado spam quando inclui uma forma de ser removido».

«Isto não é um sistema. É um país»

Die Hard (1988) era um excelente filme de acção, feito por quem sabe como se fazem filmes de acção (John McTiernan). Um disaster movie arraçado de revenge movie, com vilões, explosões e sarcasmos eficazes. Renny Harlin aguentou surpreendentemente bem a ideia em Die Hard 2 (1990), com um aeroporto em vez de um arranha-céus. E o regressado McTiernan fez o possível em Die Hard with a Vengeance (1995), embora a coisa já caísse no formulaico. Chegados a Live Free or Die Hard (2007), dum tal Len Wiseman, a saga está esgotada. As piadas pioraram e a pirotecnia, cada vez mais inverossímil, não impressiona.

No entanto, há uma novidade curiosa: este Die Hard foi o primeiro filme da série feito depois do 11 de Setembro. E o «nine eleven» é aqui omnipresente. O vilão é um sujeito que trabalhava para o governo americano e que detectou algumas falhas de segurança, tendo sido castigado e perseguido pelo seu zelo. Agora, vinga-se com um ataque computorizado em massa, com o intento de desviar electronicamente todos os fundos monetários americanos para um sistema de segurança e depois ficar com o dinheiro. Ele explica que não é um «estrangeiro», que não pretende fazer mal aos Estados Unidos (embora até tenha capangas franceses): ele só quer fazer «the american thing» que é ficar com o dinheiro.

Sentimos agora, como não sentíamos antes, a realidade aflitiva de uma grande capital ocidental atacada em larga escala e com grandes danos. E já que o Super-Homem não salvou os EUA do 11 de Setembro, que o Capitão América faleceu, que Arnie anda entretido a governar a Califórnia e que mesmo Clint Eastwood se tornou meio «liberal», pois bem, agora ficou apenas John McLane (Bruce Willis), que entretanto se tornou amargo mas que continua impossível de matar.

McLane faz sozinho aquilo que os EUA, atacados pela primeira vez no seu território, não conseguiram fazer: dá cabo dos inimigos. E não quer ouvir lamechices ou demagogias esquerdistas. Quando o hacker bonzinho confessa que estava «contra o sistema», o patriota McLane responde: «This is not a system. It's a country». Há algum tempo que não se via uma catarse tão direitolas.

28.6.07

Os amigos diferentes (um sonho)

Um sonho estranhíssimo e inquietante esta noite. Estava numa casa (numa festa?) com várias pessoas conhecidas (ou conhecidas de vista). Entre os convidados estavam cinco ou seis que não vejo há anos, ou com quem me zanguei, ou de quem me afastei. Tinham rostos e corpos muito diferentes, irreconhecíveis, e personalidades muito mudadas, menos agressivas do que antes. Quando me eram apresentados, eu perguntava depois discretamente à pessoa que nos apresentava se tinha a certeza, se aqueles eram mesmo fulano e fulana de tal. Ele (ou ela) garantiam que sim. E não percebiam a minha dúvida. Os meus antigos amigos, esses, tinham um aspecto sorridente e descontraído que fazia medo.

Dizes isso a todas

Você fundamenta portanto a forma do círculo e da esfera em bases filosóficas, antropológico-culturais, arquitectónico-teóricas, psico-socais e de outro tipo. Esta forma constitui a charneira do seu empreendimento intelectual. Para si existe realmente, tal como podemos supor à primeira vista, um conflito entre o carácter enciclopédico e narrativo do seu modo de expressão e o carácter bem mais medidativo ou lírico das suas intuições originais em torno do espaço?

(uma pergunta de Hans-Jungen Heinrichs ao filósofo Peter Sloterdijk, no livro de entrevistas O Sol e a Morte (Relógio D’Água)

Wikipedia

A incontestável superioridade da Wikipedia está em ter, ao lado de entradas clássicas de enciclopédia como «Clémenceau» ou «periscópio», outras como «Wonderbra».

Um arzinho de à-vontade

Não comecei a fumar para ser adulto ou "viril". Comecei a fumar porque sou horrorosamente tímido e porque o cigarro é com certeza a maior defesa dos tímidos. Primeiro, porque ocupa as mãos e simula um arzinho de à-vontade. E, segundo, porque esconde e protege ou cria a ilusão de que esconde e protege. Por detrás de um cigarro, o mundo parece mais seguro. Mesmo se andam por aí a garantir que não.

(Vasco Pulido Valente, no Público de hoje, contra o «fascismo antitabagista»)

27.6.07

A máxima e a mínima

As temperaturas em Estocolmo variam entre 3 graus negativos e 21 graus positivos. Um frio suportável e um calor ameno. É bom viver neste clima.

26.6.07




(clique para aumentar)

25.6.07

A última sessão do «É a Cultura, Estúpido» discute as tendências literárias do Verão de 2007 e traz-nos um autêntico desfile (com o apoio da Central Models) do que se vai usar literariamente nesta estação. José Mário Silva, Nuno Artur Silva e Pedro Mexia estarão na mesa do Jardim de Inverno do Teatro São Luiz. Quarta-feira, dia 27 de Junho, às 18.30.

Os mais interessantes

Elas (todas heterossexuais) alvitraram que havia «muito mais mulheres interessantes do que homens interessantes». Eles (todos heterossexuais) defenderam exactamente o contrário.

Andamos então fascinados com o género que achamos menos interessante.

Assalto

Acho graça quando alguém me diz em tom vagamente ominoso «olhe que eu leio o que você escreve no blogue». Como se avisasse que me assalta a casa aos sábados de manhã.

A empatia

A amizade não implica empatia. A empatia acontece naturalmente ou não acontece de todo. Em momentos de eclipse, tenho encontrado empatia nalguns poemas de John Berryman ou no álbum Beautiful Freak dos Eels. Eles foram meus amigos. Estou-lhes grato.

24.6.07

Razões para ser monárquico #37



Tenho a secreta esperança de que a pessoa que me lê em Aman (segundo o Technorati) seja uma moça da minha idade.

We can't go home again

Imaginam que eu voei para o estrangeiro e que regresso mais tarde ou mais cedo.

Eu realmente voei para um território distante, mas quando estava a vinte mil pés de altitude compreendi que esse país não existia. Dei meia volta mas descobri que o meu país também se tinha esfumado. E não creio que me deixem aterrar em mais lado nenhum.

Vou continuar aqui em cima, em círculos, meus amigos, até se esgotar o combustível.

Hitchens vs. Hitchens














São ambos ingleses, embora um se tenha naturalizado americano este ano.

São críticos e jornalistas muito lidos e muito polémicos.

Um é religioso, está à direita dos Tories e não gosta de Bush.

Outro é esquerdista, furiosamente ateu e apoia a política externa americana.

São os irmãos Hitchens, que estiveram alguns anos sem se falarem e que agora se reencontraram por exemplo neste debate televisivo. Visivelmente frios, os irmãos têm um embate directo quando Christopher diz de Peter: «It's awful to hear a member of the Hitchens family sounding like Harold Pinter on a bad day».

Peter, por seu lado, escreve, julgo que pela primeira vez, sobre um livro do irmão (Why God is Not Great *) no Mail on Sunday.

Não há nada como entretenimento intelectual de qualidade.


* [Why God Is Not Great vai ser editado em breve pela Dom Quixote]

Obstáculo



Foi bom teres caído do cavalo tão cedo. Antecipaste o obstáculo por isso mesmo.

O medo da intimidade

O medo da intimidade pode ser um medo afectivo ou sexual. Um é típico dos devassos ou dos românticos que não aguentam mais romantismo. O outro é típico dos gatos escaldados ou dos impotentes. E há quem acumule.

Getting on (2)

Uma das coisas que mais aprecio na declaração de Scruton é esta formulação « (...) I simply believe that they are mistaken». Gosto que Scruton fale em «engano» e não em «erro», e que diga que «acha» que os seus oponentes estão «enganados». É uma atitude honesta e saudável num debate: achar que o outro está enganado e em vez de ter a certeza que o outro está errado.

Getting on

One of the great distinctions between the left and the right in the intellectual world (…) is that left-wing people find it very hard to get on with right-wing people, because they believe that they are evil. Whereas I have no problem getting on with left-wing people, because I simply believe that they are mistaken.

(Roger Scruton, numa entrevista ao Independent on Sunday, 2005)

Instalação



Às vezes quase acredito no tal «complot da arte contemporânea» de que falava Baudrillard. É que, convenhamos, entre Louise Bourgeois e Tracey Emin ainda vai um saltito. A «exploração dos fantasmas íntimos» tem costas demasiado largas. E os trabalhos mais conhecidos da celebrada Emin (n. 1963), valha-me Santa Rita de Cássia. Estou a pensar em Everyone I Have Ever Slept With 1963-1995 (1995), uma tenda azul que tinha inscritos todos os nomes dos felizes contemplados, ou em My Bed (1999), uma «instalação» nomeada para o prémio Turner que constava de uma cama desfeita e meio javardola. Admito que as obras mais mediatizadas de Emin não sejas as mais interessantes. Mas também se detecta aqui, a milhas, uma cabeça escangalhada, traumas com luto em público, fragilidades e imaturidades. Eu empatizo (e como) com estas características, mas não creio que daí nasça grande arte. É por isso que a participação de Tracey Emin, bêbeda e quezilenta, num programa de televisão (Channel 4, 1997) não foi apenas um «apanhado» num dia mau. É um momento que tem a mesma substância das suas instalações. É, afinal, uma das suas instalações.

Impossível

Não posso dizer que leia Marx com assuidade semanal, mas sempre que o leio encontro uma inteligência fulgurante. E acho sempre que é impossível chamar «marxista» a um chomskiano remeloso, da mesma maneira que depois de lermos Santo Agostinho não é possível chamarmos «bispo» ao Torgal.

A remela de Chomsky

Há sempre aquele momento em que o intelectualzinho chomskiano, que consome clichés sofisticados como outros consomem couratos, diz com estardalhaço: «esta merda qualquer dia rebenta». Aquilo a que ele chama com olhos esbugalhados «esta merda» é a democracia capitalista. A esperança em que «esta merda» rebente é o seu único oxigénio. O chomskiano de Sacavém está impaciente por que «esta merda» vá pelos ares, esta «democracia formal» e esta «ditadura do mercado», quanto mais não seja para vingar os enxovalhos que os seus regimes favoritos sofreram. Já só lhe resta o galhardo coronel Chávez, ao chomskiano de calça curta, e na impossibildade de termos um aqui («até o Otelo já é empresário»), ele espera pacientemente que «esta merda» expluda. Todas as coisas más que acontecem são coisas boas que se anunciam, porque, naturalmente, a culpa de tudo é «desta merda» e os amanhãs já gorjeiam no olho remeloso do chomskiano. Um mundo que começará quando «os culpados desta merda» forem finalmente «responsabilizados» pelos seus «crimes contra a humanidade». Muito gosta este politólogo manhoso de poesia e de fuzis.

FC

Comprei um DVD da série The L Word. Às vezes um bocadinho de Ficção Científica apetece.

23.6.07

For good

«For good», em inglês, quer dizer «para sempre».

22.6.07

Alguns acrescentos há muito devidos na lista de links:
Ex-Ivan Nunes (do artista anteriormente conhecido como A Praia)
Fábrica Sombria (Francisco Frazão)
Irmão Lúcia (Pedro Vieira)

The silver surfer



O Surfista Prateado é o Kierkegaard dos super-heróis. Agora que estreou um filme muito medíocre com o Surfista, vale a pena resgatar a sua genialidade. [...]

O começo da minha crónica de amanhã no Público, sobre um dos meus heróis de adolescência.

A unidade

Compreendo as críticas às democracias ocidentais; mas não a compreensão que alguma esquerda dedica ao fundamentalismo islâmico. Num fragmento dos anos 30, André Malraux (então marxista) escreveu o seguinte: La plupart des intellectuels sont obsédés par l’unité. Parce qu’elle est un mythe. Ils l’ont à côté d’eux: la theócratie islamique (…). Eis o que chama um texto profético.

Os chapéus de Ascot

















Nunca estive nas corridas de cavalos em Ascot, mas gosto muito dos chapéus de Ascot. Infelizmente, as «mulheres de Ascot» são menos interessantes que os seus chapéus.

Uma faca

E ele também cantou esses dois versos implacáveis: Every word is like a knife / But the silence cuts you twice.

O autocarro 2

Jay-Jay Johanson é esse achado: um nórdico romântico. O romantismo de Johanson é um romantismo «cool», lancinante nas palavras mas sofisticado nas canções. É uma sofisticação minimalista, meio «crooner» meio electrónica, com umas pinceladas jazzísticas e às vezes umas teclas muito retro, tipo filme francês dos anos 70. No entanto, Johanson nunca é verdadeiramente um cantor de charme (porque canta essencialmente a dor de corno) nem um cantor kitsch (porque não é ingénuo nem irónico). Algo fleumático mas também arrebatado, comunicativo mas reservado, o meu compatriota deu um concerto amável e elegante. Os seus esboços sobre amores que ficaram para trás denotam um sentido trágico da passagem do tempo. Aliás, depois de interpretar uma canção, Jay-Jay conta que a escreveu num autocarro em que viajava todos os dias. O autocarro era o 46. Mas isso foi há muitos anos, explica, e entretanto o autocarro mudou de número. Agora, é o 2.

21.6.07

Doce veneno

I just can't stand you anymore
She said to me
I really did appreciate
Her honesty
Even though it's not
My habit to intrude
I'm gonna find out
Who's sleeping next to you





Logo à noite, no CCB.

Low cost

Tinham uma relação «low cost». Acessível e desconfortável, tal como os voos.

Hi / olá

Segundo um estudo da Universidade de Chicago, a frase de engate mais eficaz é «hi» («olá»). Séculos de civilização para chegarmos a isto.

20.6.07

National geographic

Encontramos outro homem interessado na mesma mulher que nos interessa (muito ou pouco ou alguma coisa). E imediatamente uma espécie de ódio animal se instala. O outro é um ogre. A agressão, o nosso maior desejo.

Janine (2)

As mulheres atraentes não têm simplesmente olhos «castanhos» ou «azuis» ou «verdes». Têm tonalidades matizadas. Têm olhos amendoados, turquesa, lima, índigo ou violeta.

Mesa para dois

A mulher de trinta anos quando por exemplo se produz para o jantar, minuciosamente vestida e maquilhada, com um esplendor artificial que disfarça uma beleza acessível.



(a actriz espanhola Paz Vega, n. 1976)

O defeso

As «contratações» parecem francamente mais excitantes que depois o jogo jogado. As «contratações» não são um jogo de resultados, são um jogo de prestígio simbólico.

A vida dos outros (3)

Os posts «A vida dos outros» motivaram algumas respostas, entre as quais uma «acusação» que se tornou recorrente, e que aliás me agrada: a de eu talvez seja «anarquista». Na verdade, reconheço em mim determinados elementos de anarquismo, sobretudo uma certa aversão à autoridade; embora já não aceite por exemplo a abolição das instituições ou da repressão criminal.

É normal que a nossa direita, que sempre foi autoritária e «orgânica», despreze as tendências anarquizantes; mas elas sempre existiram nalgumas direitas. Há mesmo um ensaio sobre uns quantos escritores franceses direitistas que se chama L’Anarchisme de droite.

Aliás, A Moral Anarquista (1889) de Kropotkine contém uma ideia que explica o meu «anarquismo»; diz Kropotkine que o anarquista segue o princípio cristão do «não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti». Pois bem: eu odeio que as pessoas se metam com o meu estilo de vida, que controlem as minhas opiniões, que me exijam disciplina de voto. E estou à vontade para pedir isso dos outros porque tenho por hábito deixar os outros em paz com as suas convicções e comportamentos.

Não sou um «anarquista» no sentido ideológico do termo, mas aceito a componente individualista do anarquismo. Não faço aos outros o que não gosto que me façam a mim. E não admito aos outros o que não lhes faço a eles.

18.6.07

Que sejas feliz (karaoke)



Now he's numbering himself among the masterminds
'Cause he's hit upon the leverage of valentines
Lifting dialogue from Judy Garland storylines
Where get-tough girls turn into goldmines


Aimee Mann, «Calling It Quits», do álbum Bachelor No.2 (2000)

Que sejas feliz

J'ai demandé à François Hollande de quitter le domicile, de vivre son histoire sentimentale de son côté, désormais étalée dans les livres et les journaux, et je lui ai souhaité d'être heureux.

(Ségolène Royal, com a agressividade vagamente educada dos burgueses)

16.6.07

Hoje, 16, estarei com a jornalista Maria João Seixas e o crítico de cinema João Lopes num debate sobre o filme «Lady Chatterley», de Pascale Ferran. O debate segue-se à sessão das 14.15 no cinema King, pelo que começa por volta das 16.45.

14.6.07

Os anos 80





Kim Wilde, de bimba talentosa a trintona gostosa mas eclipsada e acabando em mãe de família dedicada à jardinagem.

Dennis Miller (2)

D.M. também concebeu o título ideal para um daqueles patéticos vídeos de auto-autoconhecimento e auto-ajuda: Obviously You’ve Mistaken Me for Somebody Who Vaguely Gives a Fuck About Your Sad Little Life.

Dennis Miller (1)

Dennis Miller é um comediante televisivo americano que se especializou naquilo a que chama «the rants» (as diatribes). Vindo da escola Saturday Night Live e há anos com um programa no HBO, ele alia as opiniões mordazes com um feitio pragmático, o machismo irónico com uma constante alusão cultural. Politicamente liberal, tornou-se um conservador liberal depois do 11 de Setembro (actualmente participa na campanha de Giuliani).

A «diatribe» é um género muito usado pelos cómicos americanos, dos libertários como Denis Leary aos esquerdistas como George Carlin. É uma forma de populismo elitista, uma versão reescrita e sofisticada da «vox populi». Miller é especialmente bom no gozo com a cultura da celebridade (foi ele que notou que a Vanity Fair usa a palavra «zeitgeist» a propósito da actriz Tori Spelling); mas a sátira aos estilos de vida também é uma das suas especialidade. Do livro The Rants, 1996, eis Dennis Miller sobre essa instituição grotesca que é a vida de solteiro: «But I do remember what it was like to be one of you, one of the walking dead staggering from seedy singles bar to seedy singles bar using your unrequited, and might I add diminutive excuse for a hard-on as a sexual divining rod in a pathetic, fruitless effort to find a woman, or a last somebody who has a few of the body parts, who might actual fake nominal interest in that dog-eared, hackneyed, nightmarish story that you have the nerve to call your life».

12.6.07

Les garçons et les choses

Numa biografia de Foucault, aparece esta frase atribuída ao filósofo por Edmund White: «I’ve been trying to do intellectual things that would attract beautiful boys». Gosto especialmente do total utilitarismo da palavra «things» («choses», imagino). Quantos sistemas filosóficos (e outros) não terão sido construídos acima de tudo como «coisas» sexualmente eficazes?

A vida dos outros (2)

O meu problema com o discurso «moral» em política é que esse discurso faz necessariamente de todas as outras ideias «imorais». E esse processo contém as sementes do autoritarismo.

É por isso que me oponho ao populismo taxista de direita, a algum ecologismo mais destemperado, ao discurso padreca do Bloco, aos católicos integristas, ao alegrismo e ao basismo 1975.

A vida dos outros é tão moral (ou imoral) como a nossa.

O espião que veio do frio



O autor recebe das autoridades as chaves da cidade de Malmö.

11.6.07

Janine

O modo pós-coital como ela fuma.

A vida dos outros

O habitante da cidadela lisboeta (...) não anda de automóvel e muito menos atravessa túneis ou recorre a parques de estacionamento. Opõe-se à abertura de qualquer centro comercial, pois só faz compras no comércio tradicional, vive em Alfama, Mouraria, Campo de Ourique, Lapa ou outros bairros seculares, em casas antigas.

Dir-me-ão que este lisboeta não existe. Pois não. Mas tal como «O Pátio das Cantigas» era a outra face do Estado Novo, também esta capital-cidadela é a versão alfacinha dum discurso autoritário não apenas sobre a cidade, mas também sobre a vida dos outros.


[Helena Matos, no Público de hoje]


Confesso que não tenho nenhuma «ideia sobre Lisboa».

Mas tenho uma ideia sobre a Lisboa que não quero.

Não quero uma Lisboa cheia de boas intenções, utópica, politicamente correcta, feita de um patusco conservadorismo esquerdista que impõe «mercearias» e «hortas» aos cidadãos.

Não gosto de gente que dispõe sobre a vida dos outros.

Lighten up

SIMON REYNOLDS: Do you resent the arbitrary power that beautiful people have?

NICK CAVE: Perhaps you could lighten up a little bit.

(entrevista incluída na colectânea Blissed Out: The Raptures of Rock (1990)

Ned Ludd

Techno? Rave? Dub? Jungle? Trance? House? Não gosto e tenho raiva a quem gosta. Faço minhas as palavras do mítico guerrilheiro inglês Ned Ludd, que combateu a Revolução Industrial e que numa carta de ameaça enviada a um industrial (em 1812) escreve isto: «Information has just been given that you are the owner of those detestable shearing frames, and I have been asked by my men to give you a warning to pull them down. If they are not taken down by the end of next week, I shall send at least 200 men to destroy them. If you fire at my men, they have orders to murder you and burn all your houses. Go to your neighbours and inform them that the same fate awaits them if their frames are not taken down».

10.6.07


Hoje, dia 10, estarei pelas 17h no pavilhão da Oceanos / Asa, para autografar o meu livro de poemas «Senhor Fantasma».

9.6.07
















Hoje, dia 9, estarei pelas 17h no pavilhão da Tinta da china, para autografar o meu livro «Prova de Vida».

8.6.07

De uma estrada invisível

No Journal d’un Curé de Campagne (Bresson), o ascético narrador tem esta frase admirável: «Disseram adeus, cada um do seu lado de uma estrada invisível».

8 de Junho

De 8 de Junho a 8 de Junho, um ano decidiu tudo o que mais de uma década apenas tinha sugerido.

Coma (2)

Quem tivesse estado «em coma» (ou seja, ausente) neste meu último ano ainda me reconheceria agora?

Há um ano estava tudo relativamente normal, dentro da condição antiga de «damaged bourgeois». Num ano, «damaged» tornou-se eufemismo. O isolamento social atingiu o estado de mutismo. O clássico pessimismo entrou numa inédita deriva niilista.

Na verdade, quem esteve ausente (ou seja, «em coma»), já não regressa. E também quem esteve presente não regressa. E eu também não regresso.

Welcome to hard times.

Coma (1)

Em Good Bye Lenin! (2002), Wolfgang Becker conta a história de uma comunista da RDA que entra em coma ainda nos tempos soviéticos e que retoma consciência depois da queda da Muro, num país totalmente diferente. O mesmo se passou agora na vida real [curioso dizer «vida real» num caso destes]. Na Polónia, um homem acordou há semanas depois de 17 anos em coma, encontrando em vez de um regime em lei marcial uma nação capitalista, membro da NATO e da União Europeia.

Diário da doença

No seu estudo Glenn Gould, Piano Solo (2ª edição aumentada, 1994), Michel Schneider cita excertos de um «Diário da doença» inédito, no qual Gould descreve os sintomas dos seus inúmeros achaques mas também os sintomas da sua hipocondria. No último ano de vida, o pianista canadiano anota a lista dos medicamentos que tomava: «Aldomet, Nembutal, Tetracycline, Chloromycétyl, Serpasyl, Placido, Largostil, Stelazine, Resteclin, Librax, Clonidine, Clorinal, Indéral, Inocid, Aristocort, Neocortef, Zyloprim, Butazolidin, Bactna, Septra, Phénylbutazone, Mértyldopa, Allopurinol, Hydrochorothiazide, et des lots, des lots de Valium».

7.6.07

Julho 07

Hoje somos poucos. Amanhã seremos nenhum.

The defense rests

6.6.07

O alvo

Gosto muito daquele anúncio de prevenção da obesidade em que um badocha de fato é seguido por uma mira automática, como se a sua gordura fizesse dele um alvo permanente. Eu, com o meu arcaboiço, também me candidato ao badagaio não tarda muito, facto que constituirá sem dúvida a chamada «perda nacional para o concelho». Mas ainda que não fosse essa a causa, sei que seria um alvo à mesma. As doenças são apenas pretextos para morrermos.

Wooton Sims



Todos os anos há dois ou três filmes que revejo várias vezes. Não necessariamente porque encontre neles grande cinema mas porque fiquei fascinado com o texto ou com os actores.

O ano passado foi Breaking and Entering, por causa da «incomunicabilidade do casal» e da frigidez magoada de Robin Wright Penn. Este ano foi Fracture, porque é uma crítica feroz ao Direito e porque há muito tempo que não «gostava tanto de ver trabalhar» um jovem actor, Ryan Gosling.

Fracture é uma interessantíssima entomologia ética e social desse animalzinho curioso chamado «O Advogado». Não apenas examina a específica «vontade de poder» e a displicência humana que caracterizam a profissão, como introduz elementos morais disfarçados de elementos técnicos. Nomeadamente o «non bis in idem» (ou em inglês «double jeopardy»), uma das figuras jurídicas com mais possibilidades metafóricas.

Gosto especialmente da cena em que Willy (Gosling), o jovem advogado da Wooton Sims, explica que precisa de ajuda urgente, porque descobriu que Ted (Anthony Hopkins) vai assassinar a mulher. O caso é dele, Willy, e não do escritório. E Nikki (Rosamund Pike), a sua amante e patroa, responde simplesmente:

And what does this have to do with Wooton Sims?

Gosto muito da frustração raivosa mas resignada de Gosling nesse momento, do modo como deixa fechar as portas do elevador que ele mesmo estava a obstruir, selando assim o começo da sua redenção e o fim da sua relação.

5.6.07

Feira do Livro de Lisboa

Sábado, dia 9, estarei pelas 17h no pavilhão da Tinta da china (166), para autografar o meu livro «Prova de Vida».

Domingo, dia 10, estarei pelas 17h no pavilhão da Oceanos / Asa, para autografar o meu livro de poemas «Senhor Fantasma», que saiu hoje.






















The Ghost and Mrs. Muir (Joseph Mankiewicz)

O mundo talvez esteja fora do mundo, aí nos encontramos.
Dispomos os pertences, esperamos tranquilidade,
a nossa viuvez que se esconde no seu negrume.
A casa está no entanto assombrada,
como se isso importasse. O fantasma sou apenas
eu quem o vejo e ouço, menos medo que altercações,
como o soalho que estala nas noites ou as vagas assustadiças.
Com o tempo o intruso, que é também o dono antigo,
é apenas mais um como nós, mais um fantasma apaixonado.
Um fantasma com piedade, que não nos expulsa
mas que vai ditando, com todas as letras, a sua narrativa,
feita nossa, e que talvez, como um espectro, nos salve.

Vida interior

O nosso mais conhecido intelectual deu uma entrevista na qual reiterou uma vez mais o seu desinteresse pela noção de «vida interior». É coisa, confessa, que não o faz perder tempo.

Eu então tenho imensa «vida interior». Medos, traumas, dúvidas, angústias, confusão. A minha «vida interior» é um tornado, e só quando estou ocupado com alguma coisa é que tenho algumas tréguas.

Não significa isso que eu seja uma pessoa «complexa» ou sequer «interessante». Significa apenas que tenho a cabecinha fodida.

4.6.07

Love will tear us apart (Ian Curtis)

Quando a rotina morde e a ambição se esfuma
o ressentimento domina e a emoção se muda
e mudamos os nossos modos em diferentes caminhos
o amor
o amor é que nos desfaz

A cama está fria pois escolheste o outro lado
o meu tempo desfeito e o respeito deslaçado
mas há sempre este mote que nos guiou toda a vida
o amor
o amor é que nos desfaz

Choras enquanto dormes e expões o meu fracaso
deixas-me um gosto na boca de desespero e cansaço
uma coisa tão feliz que agora se desfez

o amor
o amor é que nos desfaz


(versão PM)
[a pedido de Mónica Granja]

A tale of two cities

Quando uma cidade nos recebe com frieza e outra cidade nos acolhe com ramos de oliveira, então não há verdadeiramente escolha possível.