7.1.09

6.1.09

Agora pelo menos



No segmento «Fiction» do seu filme Storytelling (2001), Todd Solondz conta a história de uma rapariga que se inscreve num curso de escrita criativa e se envolve sexualmente com o professor, um negro vencedor do Pulitzer. Ele aprecia sexo à bruta, e gosta de insultos raciais durante o acto. Chocada com o que ele a obriga a fazer e dizer, a rapariga decide escrever um conto confessional e explícito sobre essa experiência, texto que lê alto na aula, visivelmente perturbada. Os colegas fazem toda a espécie de comentários desagradáveis sobre a história (morais, estilísticos, ideológicos, pedantes).«Mas isto aconteceu», exclama a rapariga. O professor, que esteve calado e sisudo, comenta: «Eu não sei o que aconteceu, Vi, porque quando começas a escrever, torna-se tudo ficção». Mas acrescenta que, de todo o modo, esta história, comparada com as tentativas anteriores, é um avanço: «Agora pelos menos há um princípio, um meio e um fim».

5.1.09

Luto e melancolia



O texto tem-me acompanhado no último ano: chama-se em alemão Trauer und Melancholie (belo título) e foi publicado por Sigmund Freud em 1916. Para compreender este ensaio é preciso ter em atenção que Freud utiliza as duas palavras-chave em sentido diferente do habitual. Assim, «luto» não designa apenas o sentimento de pesar pela morte de alguém, mas o sentimento de perda de qualquer «objecto» real ou imaginado (uma pessoa, um tempo, um sítio, uma ideia). De igual modo, «melancolia» não é uma tristeza benigna mas equivale aqui ao conceito de «depressão». A questão é a seguinte: como é que se passa (e como se evita passar) do luto à melancolia? Ou dito de outro modo: da tristeza (normal) à depressão (patológica)?

Freud sugere que a passagem do normal para o patológico acontece por dois motivos: um fracasso e um desvio. O sujeito não consegue desligar-se emocionalmente do objecto que perdeu, isto é, não faz o luto completo, e a dado momento desvia o sentimento que tinha sobre o objecto em direcção a si mesmo. É, escreve Freud, como se o sujeito perdesse não o objecto mas o «eu». Ele identifica o ego com o objecto e, uma vez derrubada a barreira da auto-estima, ataca o ego como se atacasse o objecto perdido. Cada lamento é uma acusação, cada acto masoquista uma raiva reprimida. Um exemplo clássico deste personagem, diz Freud, é Hamlet, o doce príncipe condenado à sua irresolúvel angústia e aos seus inúteis teatros.

Freud não considera que a melancolia seja totalmente negativa. É verdade que ela causa grande sofrimento ao sujeito, mas é uma espécie de porta para a verdade. A melancolia, dada a sua natureza introspectiva, ajuda ao auto-conhecimento. Freud comenta com ironia que às vezes é preciso ficarmos doentes para nos conhecermos. Não é que as ideias do melancólico sobre si e sobre o mundo estejam «certas». Isso não importa: o que importa é representação que ele faz de si e do mundo. É porque essa representação existe que se pode actuar sobre ela. E nem é preciso que seja no contexto médico. Todos os melancólicos fazem gradual e periodicamente uma complicadíssima verificação para saberem se se querem separar do objecto morto (uma pessoa, um tempo, um sítio, uma ideia). Curiosamente, é a própria experiência da melancolia que «desobscurece» o que estava oculto, o que permanecia ambíguo e ambivalente. Freud explica isso numa formulação muito bonita: o amor, ao refugiar-se no ego, escapou à extinção. E um dia, com o tempo, sai desse turbulento refúgio. E então o sujeito que sofre torna-se um sujeito consciente.

2.1.09

Nas últimas semanas os posts têm entrado anarquicamente. Já estão completos os textos sobre Summer of 42, as mulheres que Deus criou, uma sinopse do caderno inglês que perdi há dias, a versão final da lista de blogues, discos, filmes e livros do ano, a actualização dos grandes acontecimentos e do in memoriam, e a mensagem de fim de ano» mais notável de todas.