30.10.07

Bergman / Bergman



É a Cultura, Estúpido!
Jardim de Inverno
31 de Outubro, quarta-feira, às 18.30

Sessão especial dedicada a Ingmar Bergman, a propósito da apresentação da peça «Sonata de Outono» no Teatro São Luiz.
Uma conversa com João Bénard da Costa e Fernando Lopes.
Moderação: Pedro Mexia. Coordenação: Produções Fictícias.
Entrada livre.

A leitora incomum

Os Sex Pistols, entre dois urros e um incisivo cariado, juravam que «she ain’t no human being». Mas estavam redondamente enganados. Ao longo do seu reinado, Isabel II passou por tempos difíceis e mudanças radicais, e tem tido mais dignidade a enfrentar esses desafios que vinte e três famílias reais e trinta e duas famílias republicanas juntas.

Uma das mais divertidas «homenagens» aos 80 anos da Rainha foi The Uncommon Reader, uma ficção de Alan Bennett que saiu em 2006 na London Review of Books e foi publicada em livro este ano (Faber & Faber). Embora seja mais abertamente uma sátira, o texto tem alguma afinidade com The Queen(Stephen Frears/Peter Morgan), nesse tom respeitoso face ao enigma sereno que é a Rainha.

Bennett é perito naquilo a que um crítico chamou «crueldade benevolente», e The Uncommon Reader segue precisamente esse caminho. A história é simples: a Rainha entra uma vez, meio por acidente, numa biblioteca itinerante, e requisita um livro por simples cortesia. Em poucas semanas, ganha o bichinho da leitura. E não quer ler apenas os clássicos ou ou contemporâneos inócuos: quer ler tudo o que apanhe. A princípio, esse novo hábito é visto como uma bizarria inócua; mas aos poucos a sua Casa Civil vai ficando verdadeiramente inquieta com o vício real. Os cães roem-lhe um Ian McEwan, a segurança detona um romance de Anita Brookner que tomam por uma bomba. E num banquete oficial, a Rainha embaraça o presidente francês ao perguntar que opinião tem ele sobre Jean Genet.

A Rainha percebe que está rodeada de incultos. Confessa aliás que só conheceu um político que lia livros: MacMillan. E, como refúgio e protesto, desata também a escrever. Quando decide publicar um livro da sua autoria, reconhece que é uma decisão inédita e melindrosa. E anuncia a sua abdicação.

Bennett capta os pormenores deliciosos de snobismo e filistinismo, os tiques de linguagem, o enfatuado príncipe consorte, os nervosíssimos chefes do «staff», os intelectuais sem jeito. O mais delicioso é talvez o confronto da Rainha com um universo – o da literatura – que lhe é intrinsecamente estranho, e por isso mesmo fascinante. Ela reage de acordo com a sua classe social, a sua experiência de vida, a sua educação antiga. Assim, perante os vagares narrativos de Henry James exclama enfadada «Oh, do get on». E explicando quem foi Proust, tem esta magnífica tirada: «Terrible life, poor man. A martyr to asthma, apparently and really someone to whom one would have wanted to say, ‘oh do pull your socks up’. But literature is full of those. The curious thing about him was that when he dipped his cake in his tea (disgusting habit) the whole of his past life came back to him. Well, I tried it and it had no effect on me at all».

Uma arte da ilusão

As objecções às fotos de mulheres «irreais» não são pertinentes.

Alguns homens põem nos seus blogues fotografias de mulheres «conhecidas» mas que não conhecem pessoalmente. Elas vivem em mundos diferentes ou distantes, e existem na nossa cabeça como imagens mediáticas, ou seja, como objectos. São mulheres que fazem parte do «imaginário» cultural de uma época, coisa que é aliás um excelente objecto de estudo.

O que seria realmente estranho é que alguém enchesse o blogue com fotos de mulheres «reais», como a namorada ou a colega de escritório por quem está caídinho. Além das questões do «direito à imagem», essas mulheres seriam incomodamente «reais» para estarem assim expostas num blogue.

Em contrapartida, com desconhecidos não há relações pessoais. Assim, para os homens que nunca conhecerão pessoalmente a Uma Thurman (quase todos), ela é acima de tudo uma imagem.

Se o mundo «real» fica muitas vezes fora dos blogues é precisamente porque se rege por outras regras, mais concretas e menos imaginativas. O «irreal» feminino (no sentido em que Uma Thurman é «irreal») é o território dos bloguistas porque se constrói com imagens e palavras.

E os blogues, como o cinema, são uma arte da ilusão.


(para o Miguel Marujo)

29.10.07

Gajas

Sempre que ponho fotografias de mulheres bonitas no blogue, as minhas amigas, mesmo as de educação mais esmerada, protestam em tom repetitivo e demótico: «gajas, gajas, é só gajas, só gajas, as gajas, gajas, gajas, as gajas».

Adelaide de Sousa

Tenho apreciado a «vaga de fundo» blogosférica dos fãs de Adelaide de Sousa.

Adelaide de Sousa é uma personal favourite há muitos anos. Baixinha, olhos faiscantes, expressão maliciosa e um corpo que valha-me Santo Euplúsio santo & mártir, dei por ela logo que apareceu na TV, há coisa de oito anos. Confesso que não segui com atenção o seu currículo televisivo, porque me tornei um abstencionista catódico; e no cinema, domínio em que estou mais atento, as suas aparições têm sido demasiado fugazes. Mas por exemplo o telefilme Aniversário (2000) é impossível de esquecer por alguém dotado de um cromossoma Y, mesmo aguado.

Adelaide nasceu em Maputo em 1969 e foi modelo. Isso eu sabia. Mas desconhecia vários outros factos que estão no IMDB: que apresentou a meteorologia e foi aeromoça e estudou no Lee Strasberg Institute. Também não sabia que ela possuía um curso de primeiros-socorros, informação que reputo de grande relevância. O IMDB inclui três citações dela, duas sobre sexo: a Adelaide acha que o sexo é uma coisa «sagrada» e não «frívola». God bless.

Já muitas vezes perguntei por Adelaide de Sousa a pessoas que a conhecem. (Já agora: cavalheiros Alvim, Boucherie & Pina: que o céu vos caia em cima da cabeça). Em todos os casos vinha o lamento: «oh, ela é casadísisma». E acrescentavam: «com um americano». «Casadíssima» e não apenas «casada»? E qual a relevância de o esposo ser «americano»? Se Adelaide fosse casada com um escalabitano, estaria menos casadíssima? Houve até alguém que me disse que o americano era «grandalhão», informação que não pude confirmar junto de duas fontes independentes, mas que aumenta a sensação de inacessibilidade. Eis uma mulher casada, «casadíssima», com um «americano», talvez mesmo com um americano «grandalhão» e, acrescenta o Tiago, «evangélico», portanto presumivelmente virtuoso. É muita coisa junta.

Mas tudo isso significa apenas que Adelaide está a bom recato, as she should be. E que não há mal nenhum em que apareça em blogues, tal como as outras mulheres «irreais» de que os bloguistas tanto gostam.

27.10.07

Dos taxistas

Tirando o «sastisfeito» e as «favas», este discurso é igual igual ao de muitos homens que conheço, gente ilustrada e licenciada e classe média-alta e tudo. Eis uma constatação bastante melancólica.

Um taxista lisboeta na noite de 26 de Outubro

É assim, meu amigo. Eles comem franguinho de aviário, bebem gasosas, andam muito engravatados e luzidios, mas depois não cumprem. Uma mulher gosta de homem machão. Eles quando são novos ainda remedeiam e, vá lá, duas vezes por semana e tal, mas depois já nem isso. E uma mulher gosta de homem machão. Um homem que a sastisfaça. Dá uma e depois mais, mesmo que ela já esteja toda partida. A mulher quer sempre. Mesmo que não lhe apeteça, basta abrir a perna, tirar a cuequinha. E se o homem é machão, ela nem olha para mais niguém. Já dizia o meu avô, que morreu aos 112 anos, é preciso ser homem a sério, fazer com que elas revirem os olhos, que fiquem sastisfeitas. Não é agora estes moços novos, de gravatinha e luzidios, que só bebem cola-cola e comem iogurtes. E frangos de aviário, que os pintos crescem em mês e meio, com comida a toda a hora e uma luzinha para os bichos não dormirem. E os homens comem aquela porcaria e andam ali todos espertos mas depois querem e não conseguem. Porque a mulher consegue sempre. Mesmo que não lhe apeteça, tira a cueca e já está. Ele cumpre, até ela não aguentar mais. Uma mulher gosta de homem machão. Mas eles, de gravatinha, luzidios, comem frangos de aviário, e quando são novos ainda remedeiam, duas vezes por semana, vá lá, mas depois não conseguem. Porque as mulheres estão sempre prontas, mas o homem? está quieto. E por isso elas livram-se deles. Agora se eles comerem grão e favas e bacalhau, isso é outra conversa, já dizia o meu avô, que morreu aos 112 anos e tinha partido a bacia aos 109 e ainda aguentou três anos, e ele ia a festas de casamento e dizia às moças novas: «arranjem homem que seja machão». E elas: «machão, como?». E ele: «um homem em boa condição física e que esteja sempre preparado, capaz de vos arregalar os olhos e de vos deixar sastisfeitas». E elas riam, mas ele ficava muito sério e dizia: grão, favas, bacalhau, dois copos de vinho. Tinto, amigo, tinto. As mulheres gostam de um homem machão. Um homem que as sastisfaça. Não é estes meninos de gravatinha, luzidios, que é de vez em quando, e elas isso não, se eles fossem machões elas nem olhavam para outro homem, até tinham ciúmes dele, «homem como este não há», nem olhavam para outros. Por isso é que elas agora se divorciam logo, porque a malta nova come frangos de aviário e iogurtes, e depois não dá. É como lhe digo, meu amigo. É como lhe digo.

26.10.07

Salvo o devido respeito

Uma vez, na faculdade, perguntei não sei quê a um professor assistente e ele exclamou: «Salvo o devido respeito, essa dúvida é inadmissível». Pois bem, salvo o devido respeito pelas Anas (Lourenço, Mesquita e Vinhas), pela Bárbara, pela Catarina, pela Clara e pela Sílvia, essa dúvida é inadmissível. A «mulher mais atraente da TV nacional»? By a long shot, meus amigos, by a long shot.






















(que via Google se encontrem apenas 5 ou 6 fotos dela mostra que o país endoidou)

Recortes de imprensa

Não acreditei nos meus «recortes de imprensa» quando eram maus. Não vejo motivo para acreditar neles agora que são bons.

Bacharelato

«Bachelors are not fashionable anymore. They are a damaged lot. Too much is known about them». O que é Oscar Wilde quer dizer com isto? Será que os «bachelors» alguma vez estiveram «na moda»? «Bachelor» significa «solteiro» (um estado) ou «solteirão» (um estatuto)? Um homem solteiro depois de uma certa idade geralmente é solteiro porque não quer casar ou porque (magnífica expressão) «ninguém lhe pega». E isso nunca esteve «na moda». O que já vai valorizado foi o chamado «solteirão», que fumava Definitivos, tinha um descapotável desleixado e lia jornais franceses de centro-esquerda. Hoje, temos apenas o «metrossexual», que é basicamente um gay que ainda não aceitou a sodomia (no sentido em que os «cristãos renascidos» aceitam Jesus Cristo). O «solteirão», esse, é uma beldroega que ninguém respeita, sobretudo porque os homens solteiros, a partir de uma certa idade, começam a avariar como as torradeiras e os relógios de cuco. Eles são «a damaged lot» porque um homem sem uma mulher ao lado é uma quinquilharia sem préstimo («vem na Bíblia, filha»). O mais estranho é que Wilde diga que eles são um «damaged lot» porque «se sabe demasiado acerca deles». Há um nexo de causalidade? E o que é que se sabe acerca deles exactamente? O facto de serem solteiros? A presunção de que são solteiros porque «ninguém lhe pega»? Ou será que por serem solteiros são demasiado liberais com a sua intimidade, que espalham aos ventos? Será o confessionalismo que os estraga? A fama de serem solteiros, que vai muito além do simples facto? Uma coisa é certa: «bachelors are not fashionable anymore». As mulheres têm muitos defeitos, mas parvas é que não são.

24.10.07

O agente entediado



Penso que tenho o telemóvel sob escuta. Às vezes faz uns barulhos esquisitos. Há algures um agente certamente entediado com a minha vida entediante.

Gostar / não gostar

«Gostem» ou «não gostem», não é isso que mais importa. À recepção jornalística que teve a versão cinematográfica de La société du spectacle, Guy Debord respondeu assim: «Os que dizem que gostam deste filme já gostaram de demasiadas coisas para poderem gostar dele; e os que dizem que não gostam deste filme já aceitaram demasiadas coisas para que o seu julgamento tenha algum peso».

23.10.07

A tia Shirley



Sabiam que Philip Glass tem uma impagável tia, a Tia Shirley, que é especialista em «psicologia da infidelidade»?

Isso mesmo: «psicologia da infidelidade».

Shirley Glass é uma «media favourite»: pela sua «relationship expertise», pelos seus «profound insights» e pelo seu «practical advice» (é a Tia Shirley que se descreve assim no seu site).

Autora de Not «Just» Friends: Protect You Relationships from Infidelity and Heal the Trauma of Betrayal, a Tia Shirley sabe tudo sobre o assunto. Ou seja (e citando um conhecido advogado): trabalha onde os outros têm prazer.

Eu nunca tive uma tia assim.

O que é que a plenitude oferece?

Na apresentação do espectáculo baseado no livro Book of Longing (com música de Philip Glass), alguém perguntou a Leonard Cohen se ele ia escrever também sobre o «fulfilment». Ele respondeu: «What has fulfilment got to offer?». A resposta não contém apenas a afirmação óbvia de que a «plenitude» tem menos interesse literário que o «desejo» (ou a «ânsia»); é também a admissão de que se a plenitude oferecer alguma coisa talvez se arranje um textinho.
Para que a correspondência fique um bocadinho menos desleixada, tentem enviar os vossos mails de acordo com o «tema»:

Estado Civil
estadocivil@gmail.com
Gattopardo
ogattopardo@gmail
textos do Público
pedro.mexia@publico.pt
pessoal
pedromexia@gmail.com

Liberdade religiosa

Ela faz-me este simples pedido: «não digas mal dela». Mas eu nunca digo mal de mulheres bonitas. Ou elogio ou não digo nada. E se for forçado com um taco de basebol a dizer coisas menos boas, esgoto todos os eufemismos disponíveis na língua portuguesa, incluindo vocábulos sem uso desde 1624. Dizer mal de mulheres bonitas ofende as minhas convicções mais profundas. E que eu saiba vivemos em regime de liberdade religiosa.

Sight & Faces (2)



Se o tema fosse, por exemplo, «Natalie Portman», a Sight & Faces traria uma entrevista com Marianne Sinclair, autora de Hollywood Lolita: The Nymphet Syndrome in the Movies (1996); uma análise do fenómeno Esse Obscuro Objecto de Desejo (Natalie/Keira) em The Phantom Menace (1999); um ensaio sobre a «masculinidade fragilizada» em Garden State (2004), com um apontamento sobre The Shins; uma crítica a The Darjeeling Limited (2007); e, claro, uma reportagem que nos «revelaria» se o «novo namorado» de Natalie, o modelo Nathan Bogle, consegue «fazer esquecer» o seu «quase sósia» Gael García Bernal, o ex da moça. Isso é que era uma revista.

Sight & Faces (1)

Apareceu um novo jornal que é uma parceria entre o Público e A Bola. Há quem ache isso estranho. Eu não acho. Há anos que eu quero criar uma revista que combine a crítica de cinema da Sight & Sound com a fofoca, digamos, da Caras. Uma espécie de Sight & Faces*.

(*sugestão do LMO)

22.10.07

A célula básica

Nos últimos seis dias tive conhecimento de seis divórcios de pessoas minhas conhecidas e da minha idade.

O divórcio é a célula básica da sociedade.

21.10.07

Animação cultural

Contrato por objectivos

Aderi a essa moda contratual e também eu assinei um «contrato por objectivos». Para ser mais simples ou mais complicado (não sei bem), o meu contrato só tem 1 objectivo e 1 cláusula. E a verdade é que se falhasse esse objectivo não havia mais nenhum disponível.

She wants revenge (2)

O álbum de estreia dos She Wants Revenge foi uma agradável surpresa: no meio da vaga de émulos tardios dos Joy Division, pareceu-me um dos discos mais assumidamente oportunistas e no entanto menos «kitsch».

Os dois sujeitos que fazem os She Wants Revenge têm aspecto de jagunços, vêm do «hip hop» e saltaram para a carruagem «revisionista» muito tarde; mas apesar de todos esses defeitos, gravaram um álbum convincente e até emotivo. Baixos ominosos, teclados ameaçadores, sotaque inglês manhoso e muito «doom and gloom».

O segundo álbum é uma decepção. Mais do menos e nenhuma chama. Tem apenas um aspecto curioso: o reincidente universo do duo, cheio de histórias de sexo & tristeza em discotecas de Los Angeles, provavelmente com modelos. Eu que 1) nunca fui a Los Angeles 2) não frequento discotecas e 3) só conheço modelos do messenger, confesso o meu fascínio.

Os She Wants Revenge investigam essa espécie de desvio obsessivo: a obsessão amorosa (frustrada) que se torna obsessão sexual (glamourosa e fetichista). No meio de gente muito «cool», gente muito desolada. É essa sociologia «realista» que me interessa.

She wants revenge (1)



Ela quer vingança? Claro que ela quer vingança. É mesmo aquilo que ela mais quer. Vive para a vingança e por causa da vingança. A vingança é o único sentimento que a anima.

Ela quer vingança.

E ele, aliás, também.

Mentiras (1)

Podia escrever as horas do dia em que descubro mais uma mentira.

Por exemplo: 15. 34.

On the move



Sári (Sza Sza) Gábor nasceu em 1917, em Budapeste. Depois dos estudos, fez teatro e ópera. Foi Miss Hungria em 1936. Acompanhou a irmã Eva na ida para Hollywood em 1941, mas durante uma década apenas se interessou pela vida mundana, onde deu brado. Estreou-se no cinema em 1952. Entrou em muitas séries de TV e nalguns filmes, poucos deles memoráveis (embora tenha um pequeno papel no magistral Touch of Evil, 1958, de Orson Welles). Deu muitos escândalos, foi multada e presa, perdeu e ganhou processos, teve um one-night stand com Sinatra e coleccionou jóias e maridos: Burhan Belge (1937-1941); o milionário Conrad Hilton (1942-1947), de quem teve uma filha, Francesca; o actor George Sanders (1949-1954); Herbert Hutner (1962-1966); Joshua S. Cosden, Jr (1966-1967); Jack Ryan (1975-1976); Michael O’Hara (1976-1982); Frédéric von Anhalt (desde 1986). Com este último casamento tornou-se Princesa Von Anhalt, Duquesa da Saxónia, título altamente contestado. Desde um acidente de automóvel em 2002, vive reclusa em Los Angeles, numa mansão empampanante que já foi de Howard Hughes e de Elvis. É tia bisavó de Paris Hilton. É autora do grande aforismo «I am a marvelous housekeeper. Every time I leave a man I keep his house».

2007, Outubro

The city was a fist
I lived on its wrist

(Bill Callahan)

Autorismo



Ainda acredito no «autorismo». Não apenas em cineastas que fazem geralmente bons filmes (no meio de outros menos bons), mas em cineastas que têm uma marca pessoal.

Pensei nisso a propósito de Neil Jordan. Jordan tem uma filmografia estimável, de Mona Lisa (1986) a The End of the Affair (1999), e pelo menos um filme notável, The Crying Game (1992). Mas o seu último, The Brave One, é inacreditavelmente anódino. O que me incomodou não foi a a questão da «qualidade» do filme, mas a absoluta ausência de uma marca pessoal. O filme tanto podia ter sido realizado por Neil Jordan como por Jordan Neil. Ou por um colectivo em auto-gestão.

O meu «autorismo» também consiste nisso: prefiro um filme mau realizado por alguém do que um filme mediano realizado por ninguém.

20.10.07

Anúncio

«Homem procura mulher para uma relação não-sexual que não seja uma relação de amizade».

Saúde

Há uma época – quando somos «novos» - em que geralmente temos «saúde». Há uma época – quando somos «velhos» - em que geralmente não temos «saúde». Mas como se chama esta época intermédia, esta colecção de pequenas maleitas, de enfermidades banais, de consultórios médicos?

19.10.07

O reino dos seres superiores

Outro dia alguém me falou de uma das minhas musas pop, a angélica Hope Sandoval. Fui investigar na net o que é feito da menina, e encontrei esta pergunta num fórum:

What is Hope Sandoval up to these days?

Um jovem canadiano respodia muito justamente assim:

I don't know. I suspect she ascended into the realm of higher beings. Seems like the sort of thing that would happen to her.

A pausa

Estava ao meu lado, encostado ao bar, ambos à espera das nossas bebidas. Olhou para mim e perguntou se eu era fulano de tal. Confirmei. Então ele declarou: «Gosto muito do teu blogue». Agradeci e deixei que se fizesse «a pausa».

O que é «a pausa»? Pois bem: é o hiato entre o momento em que as pessoas dizem que gostam muito do meu blogue e o momento em que explicam em que merda estão metidas.

Depois da «pausa» ele confessou: «É que estou em processo de divórcio».

O estado da comédia

Vi The 40-Year-Old Virgin num multiplex em Glasgow. Não via uma comédia tão entusiasticamente recebida numa sala cheia desde Quatro Casamentos e um Funeral. De tal modo que fui ver o filme outra vez no dia seguinte: nova enchente, nova apoteose. Eu gosto do filme, que deve muito ao talento de Steve Carell, mas convenhamos que é uma comédia baseada apenas em ordinarices e na imaturidade masculina.

O grande sucesso do filme tornou o realizador Judd Apatow na grande esperança da comédia americana. Superbad (que Apatow produziu) e Knocked Up (ainda perguntam por que razão não cito os títulos portugueses) são mais do mesmo. Male bonding. Adolescentismo emocional. Piadas sexuais mais hardcore do que é costume. Há uma certa perícia nos diálogos e um certo ritmo não-económico (especialmente em Knocked Up) que mostram que Apatow tem talento. Mas as suas comédias são bastante básicas em recursos e em ideias. E têm o defeito de apresentar um ponto de vista totalmente masculino. Não me lembro de um único grande de Hollywood que tenha conseguido fazer comédia durável com um ponto de vista exclusivamente masculino (talvez Hawks, mas pelo menos eram as mulheres que eram masculinas).

Entre a crítica mais hostil, há quem proteste contra esta nova galáxia cómica. Depois de o sisudo Jonathan Rosembaum já ter culpado a geração Saturdat Night Live, tivemos o intratável Joe Queenan, o Vasco Pulido Valente da crítica de cinema, criticando Judd Apatow nestes termos Thus, the situation today is very much like back in the days when John Belushi, Dan Aykroyd, Chevy Chase and the rest of the Saturday Night Live alumni turned out third-rate movies faster than anyone could possibly see them, and dominated screen comedy until Robin Williams came along to make things worse.

A verdade é que a última grande comédia que vi não era exactamente uma estreia. Tinha umas décadas em cima e era realizada por um senhor europeíssimo chamado Ernst Lubitsch.

Caro Watson (2)

No meio das declarações polémicas sobre negros e gays, Watson disse uma coisa mais básica. Confessou que sentia pena quando entrevistava um candidato gordo, porque já sabia que não o ia admitir.

Deontologicamente, a coisa é indigna: não se percebe qual a relevância do índice de massa corporal para contratações em laboratórios ou em faculdades. No entanto, Watson refere um aspecto que todos os estudos confirmam: a discriminação universal dos gordos, nomeadamente nas candidaturas de emprego.

É um exemplo interessante, porque mostra como se pode fazer uma afirmação detestável que revela um problema real na nossa sociedade. Quantas pessoas teriam a coragem ou a insensatez de dizer em público que discriminam pessoas gordas? O desbocado Watson contribuiu para que se discuta este assunto. E quem diz este diz todos os assuntos. Não há nada que seja indiscutível.

Caro Watson (1)

Até eu, que sou um ignorante científico, sei quem é James Watson. E, como toda a gente, fiquei surpreendido com as suas declarações sobre a diferença de «inteligência» entre brancos e negros. Acho estranho que alguém fale da «raças» mais inteligentes que outras. E ainda mais estranho quanto a genética, que é a área de Watson, tem demolido o conceito de «raça».

Dá-me ideia que o senhor está numa de provocação. Ou então é mesmo um bocado obnoxious, visto que disse coisas sobre os homossexuais e os gordos também altamente ofensivas.

Independentemente disso, fica uma questão melindrosa mas essencial: será que não se pode estudar um assunto apenas porque apresenta uma tese altamente polémica? Estou a pensar em matérias tão diferentes como as investigações que contestam o aquecimento global, como o «revisionismo» do Holocausto, como o estudo dos fenómenos paranormais ou a ufologia.

Menciono propositadamente o «revisionismo» porque levanta o problema mais difícil: não haverá liberdade de investigação para hipóteses chocantes? É que se uma tese for cientificamente aberrante, pode ser demolida com facilidade. Ninguém normal da cabeça acha que o Holacausto foi uma ficção e é impossível provar que foi uma ficção. Mas porquê impedir que alguém discuta o assunto?

Os comentários de James Watson, tanto quanto sei, foram apenas declarações numa entrevista. Mas lembro-me da polémica á volta do livro The Bell Curve, que estudava concretamente essas diferenças entre as «raças», e fiquei impressionado com a hostilidade com que foi recebido. Vamos hostilizar um cientista que diga que o homem nunca chegou à Lua?

Bjorn Lomborg, um homem que defende teorias heterodoxas em matéria ambiental, foi atacado com uma intolerância (incluindo ataques físicos) que eu achava incompatível com uma comunidade científica.

Ainda mais grave é a perseguição movida aos «revisionistas», que faz de uns lunáticos fascistas uns mártires da liberdade de investigação e de expressão.

James Watson disse uma coisa que intuivamente todos achamos que é um disparate. O que não significa que essa tese não posso ser estudada, e depois devidamente criticada e arrasada. É discutindo as ideias, mesmo as mais aberrantes, que se vive numa sociedade livre.

I have a dream

Tenho um sonho. Não é que Israel e a Palestina coexistam pacificamente lado a lado. Não é que acabe a fome e a guerra. Ou a exploração do homem pelo homem. Não é que o cordeiro e o lobo durmam juntos, como diz o Apocalipse. O meu sonho é não ter que explicar os meus textos. Mas às vezes tem mesmo que ser.

Ontem fui bombardeado com mensagens e mails sisudos sobre o meu penúltimo post, que era uma private joke entre mim a minha editora, como ela aliás percebeu. Mas ela também foi bombardeada de perguntas. Meus amigos, da próxima vez lembrem-se desta singela política editorial: eu não lavo roupa suja em público. Ok? Ok.

18.10.07

Feitos um para o outro



Zsa Zsa Gabor e Louis Calhern em We're Not Married! (1952), de Edmund Goulding

Addio adieu auf wiedersen goodbye

para a Inês Hugon

Cá se fazem, cá se pagam.

Vou-me oferecer à Multinova. À Papiro. Às edições Itau. Mudo-me para a Dinapress, para a Felício & Cabral, para a Ulmeiro. Bazo para a Salamandra, para a Rolim, para a Romano Torres Vendo-me ao desbarato à Prime Books, às Publicações Alfa, à Perspectivas & Realidades. Rojo-me aos pés das Paulinas, da Difusora Bíblica, das Edições Zairol. Rendo-me ao Instituto Piaget, à Caixotim, à Gailivro. Caio nos braços da Âncora, da Climepsi, da Solipa. Mendigo nas Edições Inapa, na Aillaud & Lellos e mesmo (se for preciso) na Desabrochar.

Nesse vosso estaminé é que não me põem mais a vista em cima.

17.10.07

Balzac

Tenho ouvido algumas comparações entre Lessing e Agustina. Não achei muito evidente. Até que na autobiograifa da inglesa encontrei uma frase que podia ser de Agustina, se Agustina não tivesse estudado com os jesuítas: diz Lessing, e cito, que descobriu o clítoris lendo Balzac.

Joseph Gordon-Levvit



Já esgotei os elogios a Ryan Gosling. Mas Gosling não é o único caso de talento na novíssima geração. Há também Joseph Gordon-Levvit. Nascido em 1981, é actor desde criança, sobretudo na televisão (entrou na série Third Rock from the Sun). Estreou-se no cinema em 1992, mas foi nos últimos anos que deu nas vistas, nomeadamente em três filmes que vimos em sala: Mysterious Skin (2004), Brick (2005) e The Lookout (2007). Se Gosling é especialmente bom nos detalhes e nume certa lentidão premeditada e intensa, Levvit é o minimalista violento, aquele que carrega as ameças e os traumas nos silêncios mais do que nas palavras. Alguém já lhe chamou um actor «reactivo», especialmente bom na sugestão de reacções que as outras personagens não entendem bem mas que o espectador compreende. Atenção ao miúdo.

Juden (2)

Primeiro passei pela estante do romance: tirei Kafka e Proust. E Bellow, Malamud, Perec, Bruno Schulz e Joseph Roth. Trouxe também os contos de Isaac Babel. Da pequena secção italiana extraí Natalia Ginzburg e Primo Levi. Dei com uns ensaios de Cynthia Ozick que nem sabia que tinha. Na poesia, estavam Osip Mandelstam e Leonard Cohen.

Atei-os todos num pacote de papel pardo, com umas guitas. Amanhã vou devolvê-los à Embaixa de Israel. Não quero cá em casa autores coniventes com o belicismo sionista.

Juden

Conversava sobre literatura alemã com o senhor E. O senhor E., cultíssimo e (mesmo assim) quase nazi, discordava de tudo o que eu ia dizendo. Em meu abono, comecei a frase «O George Steiner escreveu que». O senhor E. não me deixou sequer citar. Fez um gesto de desprezo e declarou: «O George Steiner é judeu».

Isto foi há uns 3 anos. Hoje, um sujeito do outro extremo ideológico chamou-me «sionista» porque eu sou entusiasta de Philip Roth. Tendo em conta que Roth não é cidadão israelita nem apoiante da política israelita, «sionista» neste contexto quer dizer simplesmente: «judeu».

Dizer que «os extremos se tocam» é cada vez mais um eufemismo.

Novalis / Houellebecq



O pensamento «reaccionário» é histórico, como todas as ideologias. Em 1799 (O Cristianismo ou a Europa) avultava o castíssimo Novalis; em 1998 (Les particules élémentaires) tivemos o pornógrafo Houellebecq. E digo «castíssimo» e «pornógrafo» com todo o respeito.

16.10.07

Right-wing gals (2)

É curioso como algumas mulheres de direita se posicionam face às «conquistas do feminismo». Não tenho nenhuma teoria sobre isso, mas tenho década e meia de observação atentíssima.

Digamos que as «conquistas do feminismo» são um legado que muitas mulheres de direita invocam ou repudiam consoante a sua situação pessoal a cada momento. Essa é geralmente uma característica mais masculina do que feminina, mas neste ponto os géneros convergem.

Uma mulher de direita sozinha, abandonada, enganada, divorciada ou em crise defende mais facilmente o legado feminista. Tanto as liberdades como a «excepcionalidade» do feminino ou mesmo, nalguns casos, uma certa diabolização dos homens. (As divorciadas com filhos pequenos às vezes ostentam um puritanismo pretensamente assexuado).

Em contrapartida, tenho notado que as mulheres de direita com relações estáveis (ou nos primeiros anos de casamento) defendem sem grandes pruridos o «status quo» patriarcal: papéis nitidamente atribuídos, delícia antropológica com a «masculinidade», uma submissão de contornos mais ou menos sexuais.

Depois chega a separação ou o divórcio e muda tudo.

Aliás, o mesmo acontece com a atitude face à «cultura». Mas nessa matéria tinha de concordar com Bourdieu e, francamente, são 11.40, fica para outra vez.

Right-wing gals



Quem era a miúda que o «intelectual» anglófilo e direitista cobiçava na minha adolescência televisiva?

Se fosse um liberal, talvez a frágil e irascível Maddie Hayes (Cybill Shepherd) de Modelo e Detective.

Se fosse um conservador, talvez a frígida e apetecível Harriet Makepeace (Glynis Barber) de Dempsey e Makepeace.

Se fosse um tradicionalista, talvez a triste e soberana Julia Flyte (Diana Quick) de Reviver o Passado em Brideshead.

(para o Tiago Galvão, que pode ver em DVD)

I wouldn't

ANN: So let me see, you said, um, you said that I should never take advice from someone that I haven't had sex with, right... right?

GRAHAM: Basically.

ANN: Right. And, uh
, we haven't had sex... right?

GRAHAM: So...

ANN: So, I, I, I guess from your own advice, I shouldn't take your advice.

GRAHAM: I wouldn't.

(Andie McDowell e James Spader em sex, lies and videotape, 1989, de Steven Soderbergh)

Porque dormiste comigo

Encontrámo-nos no Valentino em Turim
e viajámos por toda a Itália de comboio,
dormindo juntos.
Eu não falei em sexo.
Disse dormindo juntos.
Coisa de que a sexualidade é,
e não é, uma parte.
É esse dormir juntos
que é sagrado para mim.
Bocejarmos juntos.
Podes ter sexo com qualquer pessoa
mas com quem podes dormir?

Odeio-te
porque dormiste comigo
e me deixaste.



[Paul Durcan, «Felicity in Turin», A Snail in My Prime: New and Selected Poems, 1993, trad. PM]

Hurricane relief

Estou com saudades do «Gulf Hurricane Relief». Não sei quantos meses pairou ao cimo dos textos. Tinha-me habituado a ele. Apareceu já não sei como, por azelhice minha, numa altura em que eu também estava necessitado de «hurricane relief». Deixei ficar, como se fosse uma daquelas pessoas que nos querem ajudar e não sabem como e a quem estamos gratos pela intenção. Todos estes meses têm sido de «hurricane relief». Drenar os locais inundados, reerguer paredes, consertar telhados, pregar portas, pôr novos vidros nas janelas, fazer um lote de salvados, encontrar pequenos rituais novos, pequenas comunidades de esperança, motivos para continuar como dantes. Não estou convencido de que isto resulte. Mas faço como se acreditasse. Como se o «hurricane relief» trouxesse alívio e fizesse esquecer o furacão. Até que um dia esqueça que estou em «hurricane relief». E viva enfim como se houvesse alívio possível.

15.10.07

1. Depois de alguns meses a encimar este blogue, o muitíssimo apropriado «Gulf Hurricane Relief» despede-se dos senhores espectadores, desejando uma boa continuação.

2. Mão amiga (bela expressão) fez-me chegar o «ranking» dos blogues lusófonos. O Estado Civil aparece como 37º blogue lusófono e 9º blogue português (4º entre os individuais). Vale o que vale, como se diz das sondagens. Em todo o caso, o autor vem à boca de cena e agradece.

3. «Il Gattopardo» (1958) é o único e excepcional romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Gattopardo é o novo blogue de Pedro Lomba e Pedro Mexia.
Festa no Chiado, «5 Livros, 5 Autores»

Dia 16, terça, 19 h, no Ciberchiado, Largo do Picadeiro, 10
«Caligrafia Imperial e Dias Duvidosos» (Assírio & Alvim), de Manuel Afonso Costa / «Cidade Proibida» (Quidnovi), de Eduardo Pitta (com a presença dos autores) + Homenagem a Eduardo Prado Coelho

Dia 17, quarta, 19h, no Grémio Literário, R. Ivens, 37
«Os Filmes da Minha Vida. Vol.2» (Assírio & Alvim), de João Bénard da Costa / «Século Passado» (Cotovia), de Jorge Silva Melo (com a presença dos autores)

Entrada livre

A farsa e a tragédia

A psicanálise traz estampada a sua origem de classe. É uma amabilidade entre burgueses. Um bocadinho de voluntarismo e um bocadinho de literatice. Um móvel com umas almofadas por cima. Um melodrama em família. Um logocentrismo desenfreado. Uma aplicação semanal de mitos gregos aos órgãos genitais (Nabokov). Está a um passo da farsa.

A psiquiatria é mais honesta, mesmo quando é mais criminosa. Não esconde que é um mecanismo de dominação. É preciso acalmar esses malucos de uma vez por todas. Com internamentos. Com electrochoques. Com comprimidos. A conversa é coisa para gente da mesma condição. E a psiquiatria é o domínio dos sãos sobre os doentes (mentais). Está a um passo da tragédia.

14.10.07

Brincliffe Oaks

Eles estão na cama e ela pergunta de que é que ele tem medo. Ele enumera:

I'm frightened of Belgian chocolates
I'm frightened of pot pourri
I'm frightened of James Dean posters
I'm frightened of twenty-six inch screens
I'm frightened of remote control
I'm frightened of endowment plans
I'm frightened of figurines
I'm frightened of evenings in the Brincliffe Oaks searching for a conversation


[«Frightened», demo, edição especial de His’n Hers, álbum de 1994, Pulp]



(Brincliffe Oaks é um pub em Sheffield)

A liberdade está a passar por aqui

A verdade é que conheço pouca gente tão feliz como alguns recém-divorciados.

13.10.07

Design inteligente

Excessivamente

Um colega diz-me que este blogue fala «excessivamente» de mulheres. Excessivamente? Mas qual é o outro tema relevante? A estrutura do ADN? Bola na mão ou mão na bola? Quem foi Charlotte Corday? As virtudes do sufrágio directo? A diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro? A expressão «romance caleidoscópico»? As trufas? A Unesco? O Quinteto de Cordas opus 111 de Brahms? A torneira mal fechada que pinga pinga pinga noite dentro? O nó inglês nas gravatas? O apara-lápis? Os generais da Birmânia? A couve de Bruxelas?

Também falo dessas coisas às vezes. Mas é para disfarçar.

Riade

Todos sabem que muita gente chega aos blogues através de pesquisas sexuais. Ainda esta semana alguém visitou o Estado Civil tendo googlado «francesas nuas tatuadas». Porque é que o EC apareceu nos resultados, não me perguntem. Gosto moderadamente de francesas. E detesto tatuagens.

Agora, um leitor do EC conta-me que alguém chegou ao blogue dele com a pesquisa «a vida sexual de Pedro Mexia» (palavra de honra).

O que é que esse excêntrico vai procurar a seguir? «Cinemas em Riade»?

A palavrinha e o teste (sms para jgc)

Joana: testei essa tal palavrinha na busca de imagens do Google.

E olha o que me deu como primeiro resultado.



Estella Warren?

Acho que me vou tornar monge trapista.

Sorte com os homens

Sobre o post «Sorte com as mulheres», excerto de um mail de uma leitora: «(...) já eu não me posso gabar do mesmo: taralhocos obsessivos, perfis gregos minimal repetitivos, poetas deslumbrados, abóboras pedantes (...)».

Se acrescentarmos «pategos & orgulhosos», «gays em negação» e «enguias morais», temos uma tipologia bastante completa da espécie masculina.

Mal por por mal, fique com os «perfis gregos minimal repetitivos». A estética, ao menos, entretém.

Já que perguntaste



PEG: So, do you have a girlfriend?

MATTHEW: What's
that got to do with anything?

PEG: Maybe that's your problem.

MATTHEW: Do I have a problem?

PEG: Of course you do.

MATTHEW: Oh yeah, and what do
you think my problem is?

PEG: I don't think you get laid enough.

MATTHEW: Is that so?

PEG: Well, what kind of relationship could a man as screwed up as you possibly have?

MATTHEW: I don't have relationships.

PEG: You love 'em and leave 'em, huh?

MATTHEW: I don't
love anybody.

PEG: You mean, you just
have a girl.

MATTHEW: I take what I can get. Now if you're through talking, do you want to go out back and fuck?


(Edie Falco e Martin Donovan, Trust, 1990, de Hal Hartley, ed. port. Midas)

The Onion

CNN? Esqueçam. Chegou a ONN: Onion News Network.

12.10.07

Cínicos e/ou desencantados que não ganharam o Nobel







Camarada Jdanov



Ouvido pelo Público acerca do Nobel 2007, Urbano Tavares Rodrigues diz que Doris Lessing foi premiada pelos seus «valores» e pelo seu «empenhamento». Até aqui nada de novo: há muitas décadas que muita gente critica a agenda política do Nobel. Urbano, pelos vistos, aprova essa agenda.

Mas o escritor comunista vai mais longe e acrescenta que é «muito difícil que grandes escritores cínicos, desencantados, como Philip Roth ou Mario Vargas Llosa, sejam premiados» (cito).

Talvez o epíteto «grandes escritores» signifique que Urbano até os aprecia. Mas parece inquestionável que acima de tudo valoriza o «empenhamento». E que sem «empenhamento», os «grandes escritores» são como que escritores com defeito.

Que um comunista se incomode com Mario Vargas Llosa é normalíssimo. Llosa é o único nobelizável reconhecidamente de direita e talvez o único grande escritor de direita da América Latina desde a morte de Borges. Ainda por cima, foi comunista e deixou de ser, o cafageste. E, cúmulo dos cúmulos, não é daquela direita cavernícola e fascistóide: é um cosmopolita e um liberal. «Grande» que ele seja, não é digno de Nobel.

O caso de Philip Roth é muito mais curioso. Ninguém pode acusar Roth de ter simpatias políticas de direita. O direitismo americano, de Lindbergh a Bush, tem sido regularmente vergastado nos seus romances e entrevistas. Mas ainda assim Roth é, pecado dos pecados, um homem «cínico» e «desencantado», sem grandes ilusões sobre a espécie humana. E isso é mais importante, e mais grave, que o seu currículo esquerdista e que a sua «grandeza». «Grande» que ele seja, nada de prémios suecos.

O verdadeiro escritor «de esquerda», para os jdanovistas funcionais, é ainda o optimista profissional. A literatura «socialista» é (cito Jdanov) «(...) optimista na sua essência, porque é a literatura da classe em ascensão que é o proletariado, a única classe progressista e avançada». Disse.

Senhores Llosa e Roth: não sejam «cínicos» e «desencantados», sff. Aprendam com o camarada Jdanov.

Do domínio da luta (5)

Isso significa que daqui a dez ou quinze gerações os homens serão reduzidos à escravatura. A tecnologia e a evolução combinadas vão excluir o esperma da procriação. E o nosso destino final será carregar sofás e esperar até que a telepatia domine a gravidade.

«Roger» (Campbell Scott), em Roger Dodger (2002), de Dylan Kidd

Do domínio da luta (4)

And everybody knows that the plague is coming
Everybody knows that its moving fast
Everybody knows that the naked man and woman
Are just a shining artifact of the past


(Leonard Cohen)

Do domínio da luta (3)

Dou com um texto de Jean Baudrillard, incluído em L'échange impossible(1999), que explica o fim da «revolução sexual» por via tecnológica. Assim, se numa primeira fase o sexo se libertou da reprodução através de uma tecnologia simples (os anticonceptivos), numa segunda fase é a reprodução que se liberta do sexo, através de tecnologias complexas (a reprodução «in vitro» e a clonagem). Dai que Baudrillard escreva: «A "libertação sexual" (...) é perfeitamente ambivalente. Pois parece inscrever-se no mesmo sentido que a revolução sexual, de que é a consagração, e revela-se nos seus efeitos completamente oposta à revolução sexual» (itálico meu). Eis uma coisa que muitos marxistas deviam saber de cor e parecem ter esquecido: os avanços tecnológicos têm consequências ideológicas. E às vezes não são as consequências que os voluntaristas desejavam.

Da misantropia

Às vezes é difícil aguentar:
1) as ideias das mulheres de esquerda
2) o comportamento das mulheres de direita
3) os homens.

Sorte com as mulheres

Tenho tido sorte com as mulheres. Bem sei que não no sentido tradicional da expressão «sorte com as mulheres», categoria que supõe reciprocidade e variedade. Mas tive a sorte de me ter «envolvido» com mulheres interessantes e decentes. Mesmo as que não eram especialmente interessantes (talvez duas) eram decentes como pessoas. Acho que só uma vez fiquei embeiçado por um traste (cruzei-me com ela há minutos e olhei para o chão). Deus me livre de mais asneiras dessas. Não há nada pior do que uma paixão passada que nos envergonha.

11.10.07

E agora o meu favorito (para 2008)

Uma lista menos estranha

Eliot, Canetti, Naipaul, Pinter.

Uma lista estranha

Kipling, Galsworthy, Eliot, Russell, Churchill, Canetti, Golding, Naipaul, Pinter, Lessing.

Rescaldo (2)

Recusei dois simpáticos convites para comentar o Nobel da Literatura. Como é que posso dizer alguma coisa de jeito sobre alguém que escreveu 50 livros se li apenas 2? Sou contra a actual moda dos «especialistas instantâneos». Não levem a mal.

Rescaldo

Doris Lessing publicou 50 livros. Só li 2 (o romance The Golden Notebook, 1962, e a autobiografia Under My Skin, 1994). Não tenho opinião.

10.10.07

Dedos cruzados

Segunda a casa de apostas Ladbrokes

Philip Roth 7/2

Haruki Murakami 5/1

Amos Oz 6/1

Claudio Magris 7/1
Yves Bonnefoy 7/1

Joyce Carol Oates 9/1
Les Murray 9/1
Thomas Transtromer 9/1

Thomas Pynchon 10/1

Adonis 14/1

Jean Marie Gustav Le Clezio 20/1
Ko Un 20/1
Margaret Atwood 20/1
Mario Vargas Llosa 20/1

Assia Djebar 25/1
Cees Nooteboom 25/1
Don DeLillo 25/1
John Updike 25/1
Mahmoud Darwish 25/1

Milan Kundera 33/1

Aime Cesaire 40/1
Antoni Tabucchi 40/1
Bei Dao 40/1
Eric Elmsatr 40/1
Gitta Sereny 40/1
Harry Mulisch 40/1
Herta Muller 40/1
Hugo Claus 40/1
Ian McEwan 40/1
Inger Christensen40/1
Peter Carey 40/1
Willy Kyrklund 40/1

Alice Munro 50/1
Carlos Fuentes 50/1
Chinua Achebe 50/1
Cormac McCarthy 50/1
David Malouf 50/1
Michel Tournier 50/1
Umberto Ecco 50/1

A. B. Yehoshua 100/1
Adam Zagajewski 100/1
E. L. Doctorow 100/1
Eeva Kilpi 100/1
F. Sionil Jose 100/1
J K Rowling 100/1
John Banville 100/1
Julian Barnes 100/1
Mary Gordon 100/1
Michael Ondaatje 100/1
Patrick Modiano 100/1
Paul Auster 100/1
Salman Rushdie 100/1
William H Gass 100/1

Bob Dylan 150/1

O prémio Nobel da Literatura 2007 é anunciado amanhã.

3.10.07

Knockout



They say it's magic. When it lands
you feel the force of your whole body,
even the deeper organs, the dark fluids
that go untapped for decades, the tiny
pale microbes haunting the bone marrow,
the intricate patterns that devised
the bones of the feet, you feel them
finally coming together like so many
atoms of salt and water as they form
an ocean or a tear, for just an instant
before the hand comes back under the chin
in its ordinary defensive posture.


Philip Levine

Os olhos enevoados

É preciso aprendermos à nossa custa que a perturbação é que traz lucidez.

Selvajaria

O importante é exasperar as pessoas, ao ponto de as fazer abandonar os eufemismos em que se refugiam. E exibirem finalmente toda a sua selvajaria.

Army of one (2)

Há quem imagine que como estou em guerra civil não aguento inimigos externos. Não se iludam, meus amigos, não se iludam.

Estatuto editorial

Army of one

De um lado os «advogados»: arrogância social, cinismo, afluência económica, reaccionarismo pavloviano, filistinismo, estrondosa confiança em si mesmos. Do outro lado os «intelectuais»: ressentimento social, bílis, tráfico de influências, esquerdismo intolerante, presunção, estrondosa confiança em si mesmos.

Rotunda

Olha para mim como se eu fosse lixo, rodeado dos seus colegas fotocópias.

O nome e as «listas»

Comentários desagadáveis, inimigos figadais, o meu nome riscado de (cito) «listas». O engano deles consiste em imaginar que eu tenho ambições. Ambições que possam ser impedidas com esses estratagemas. Mas a minha única ambição é escrever. E isso eles não podem impedir. Coisa que os deixa fodidos.
Por qualquer razão (e se atendesses o telemóvel?), O Ombro do teu Cão fechou e naturalmente saiu da lista de links. Por qualquer razão, o Vontade Indómita ainda não estava na lista de links.

1982

Aqueles sintetizadores. Aquelas guitarras. Aquele «Novo Romantismo». Aquele corte de cabelo.



(A Flock of Seaguls, «Space Age Love Song»,1982)

Ex cathedra

Professores que teimam em querer dar notas a quem nunca foi seu aluno.

Conversa acabada

Três tipos de pessoas nos blogues: 1) os que gostam de conversar 2) os que querem conversa 3) os que só desconversam.

1.10.07

O O O O

But
O O O O that Shakespeherian Rag-
It's so elegant
So intelligent


(T.S. Eliot)


[para a Mafalda, que ainda acredita na «aura»]

A «aura»

Quando Walter Benjamin escreve, no famoso ensaio de 1936, que «a reprodução mecânica emancipou a obra de arte da sua dependência parasítica em relação ao ritual», passa a certidão de óbito ao que chamou a «aura».

A «aura» do objecto artístico enquanto objecto único. A «aura» enquanto estatatuto social e simbólico.

Mas nessa época a arte e o artista perdiam também outra «aura». Com poucas excepções (geralmente na «cultura de massas»), a arte deixou de ter importância social. E o artista deixou de ter influência e vassalagem. Desde aí foi sempre em queda. A arte ainda mantém um prestígio simbólico vago, os artistas ainda saltitam pelas migalhas do poder, mas é fim de festa. Acabaram-se os Victor Hugos. E acabou-se, graças aos céus, isso dos «unacknowledged legislators of the world» que Shelley atribuiu aos poetas e que tanto mal fez.

Reduzida à sua expressão mínima e às suas minorias mais ou menos tribais, a arte ganhou o estatuto mais valioso de todos: o de gloriosa inutilidade.

A metade

Digo duas ou três frases e ela: «Não acredito em nada do que tu dizes». E eu: «Em nada?». E ela: «Em metade». E eu: «Qual metade?». E ela: «A metade que é ficção».

Coño

Tenho problemas com o espanhol. Não gosto especialmente da língua, leio pouco em espanhol (excepto poesia) e não falo espanhol nem para comprar água no Kalahari.

Reparem que não tenho nada contra a Espanha e os espanhóis, nem me apanham a escrever coisas contra o «perigo espanhol» (é o mercado, estúpido); simplesmente me dou mal com o castelhano.

Talvez isso tenha alguma coisa a ver com experiências linguísticas. O ridículo do portunhol, as séries americanas dobradas na TVE («Espencer, detective privado»). E com os títulos. Ai os títulos.

Acho que já contei que descobri o Mein Kampf numa versão espanhola que se chamava naturalmente Mi Lucha. O sinistro panfleto nazi, agreste e tudo («Kampf»), transformado numa simples putéfia espanhola (a Milucha).

Depois os pintores: esse misterioso «Durero» que afinal não é andaluz mas o alemão Albrecht Dürer; esse mestre incógnito, «El Bosco», que afinal é Hieronymus Bosch e não um aguarelista primo de Mota Amaral.

E finalmente o inadjectivável Wuthering Heights degradado e arrojado pelo chão como Cumbres Borrascosas.

É de mais. Irra. Ou antes: coño.

Altamente perigosos



Saio de casa e dou de caras com Eva Green. OK, eu reformulo: saio de casa e dou de casa com Eva Green num outdoor. Uma publicidade não sei a quê (não faço ideia). Tomo os comprimidos para a hipertensão e tento não cair fulminado com os seus «olhos altamente perigosos».

Depois vejo que o anúnico diz, em baixo, «Eva Green». Mas se a ideia é vender não sei o quê (um perfume?) com a cara de Eva Green, isso supõe que as pessoas já saibam quem ela é, sem necessidade de explicações. Que diabo, mesmo os pouco cinéfilos vêem filmes de James Bond.

É um paradoxo: usar uma celebridade porque é alguém que «não precisa de apresentações» e depois identificar a celebridade com umas letrinhas. Identificar para quê? Será possível alguém saber quem é Eva Green e não a «identificar»? Com aqueles olhos? (e fico-me por aqui, pois mais houvera).

Enfim, um bocadinho de semiologia logo de manhã. E a minha rua ficou catita.

O verbo «descontinuar»

Agora os jornais não fecham e as empresas já não encerram. Agora os projectos são «descontinuados». Há quem estranhe o estranho eufemismo. Mas eu conheço esse verbo há muitos anos. Nunca nenhuma mulher me disse: «És um estupor e nunca mais te quero ver à frente». Geralmente elas dizem com voz meiguinha: «Acho que esta relação deve ser descontinuada».