30.7.08
O Público noticia hoje que «qualquer gesto que possa ser interpretado como uma "situação mais íntima" nas praias algarvias está proibido, por ordem do Comando Marítimo do Sul». Tranquiliza saber que as autoridades vigiam os costumes pátrios. Não há libido estival que uma valente coima não acalme. O motivo imediato deste zelo policial é a propagação das «massagens», esse nefasto costume tailandês. O comandante do CMS explicou o perigo das ditas: «toda a gente sabe como começam mas ninguém sabe como acabam». Dirão que o homem é um primitivo. Eu acho que ele é um Rochefoucauld. Garanto que não conheço melhor definição de Agosto: sabemos como começa mas ninguém sabe como é que acaba.
Nós não vivemos como podíamos viver
1. Um dos biógrafos de Tchekhov chamou a esta peça «um monstruoso melodrama». Mas «monstruoso» aqui é descritivo e quase elogioso, e «melodrama» é um conceito aproximativo: «A representação levaria cinco horas e o texto está cheio de clichés e regionalismos. E no entanto Platónov tem a marca de água do drama tchekhoviano: uma propriedade degradada que vai ser leiloada e que ninguém pode salvar. Mesmo as escavadoras que fazem um ruído ominoso debaixo das estepes antecipam O Cerejal. O herói, tal como o Tio Vânia, acredita que podia ter sido Hamlet ou Cristóvão Colombo e gasta a sua energia em casos amorosos fúteis. (…) Falta à peça carpintaria teatral, brevidade e graça, mas os seus absurdos, a sua atmosfera trágica e as alusões a escritores como Shakespeare e Sacher-Masoch fazem dela um texto típico de Tchekhov» [Donald Rayfield, Anton Chekhov, A Life, 1998]. Com efeito, Tchekhov ensaia aqui todos aqueles recursos dramáticos, nomeadamente os jogos e tédios da alta burguesia, que depois aparecem nas suas tragicomédias mais celebradas. E se nesta primeira tentativa as imperfeições são notórias, são também fascinantes. Em 1881, a peça foi rejeitada e Tchekhov desistiu dela. O manuscrito só viu a luz do dia em 1923. Talvez a ideia de que esta é uma peça «imperfeita» e «juvenil» tenha levado algumas versões modernas a acentuar a faceta cómica, temendo que o excesso de seriedade caísse na comédia involuntária. Mas há uma razão que afasta Platónov da comédia e essa razão é Mikhail Vassílievitch Platónov.
2. Platónov é um rapaz de vinte e sete anos concebido por um rapaz de vinte e um. Tem virtudes apenas admissíveis aos vinte e poucos e defeitos quase inevitáveis aos vinte e muitos. Há muito de febril e revoltado neste mestre-escola, mas ele já está naquela fase em que a decepção e o moralismo prevalecem. Quem é Platónov? Um «sujeito interessante, original», como dizem com sarcasmo os seus perseguidores? Um «herói de romance moderno», como dizem as suas admiradoras? Ou um «infame», como ele diz de si mesmo? Tudo isso e nada disso. Tchekhov faz dele um Don Juan enfastiado e precocemente envelhecido. Supomos que aquilo que mais o motiva (como ao Trofimov de O Cerejal) seja a «reforma social» ou outro motivo elevado; mas entretanto já caiu num cinismo que vive paredes-meias com o sentimento de inutilidade: «O mal fervilha à minha volta, contamina a terra, devora os meus compatriotas e irmãos em Cristo, e eu fico sentado, de braços cruzados, como depois de um trabalho difícil; fico sentado, a olhar, calado… Tenho vinte e sete anos, aos trinta serei o mesmo – não prevejo mudanças! Depois serei gordo e negligente, vem o entorpecimento, a completa indiferença por tudo o que não seja a carne, e por fim a morte! A minha vida está perdida! Põem se me os cabelos da cabeça em pé quando penso nessa morte!». O exagero histriónico denuncia o impasse deste rebelde passivo. A sua exigência radical de «autenticidade» torna a vida impossível. Ele considera toda a gente vil, ofende toda a gente, provoca quezílias inúteis. E nós vemos fraquezas humanas triviais onde ele vê infâmias.
3. Produto romântico numa época que desliza para o niilismo, Platónov encontra uma sociedade russa «decaída», cheia de médicos incompetentes, comerciantes desonestos e militares imprestáveis. Mas nem se dá conta de que o mundo sempre foi assim. Quando ele diz que nós não vivemos como podíamos viver, é uma confissão e não uma crítica. Porque é dele, Platónov, que podíamos e devíamos esperar mais, pois ele é inteligente como mais ninguém na peça mas não fez nada com a sua inteligência. Supostamente «desiludido» com o amor, comporta-se agora como um sedutor seduzido, arrastando consigo mulheres fogosas e iludidas. E a sensação que temos é que este professor de província se tornou Don Juan porque não conseguiu ser Hamlet nem Colombo. A traição (ou impossibilidade) da sua vocação é que fazem dele apenas um conviva pitoresco ou um marido infiel, dois entretenimentos burgueses. Daí que ele esteja sempre à espera de um inominado «castigo»: mesmo quando é hipócrita, Platónov ainda acredita nalguma espécie de retribuição. Como punição da banalidade pública, ele escolhe a calamidade privada. E o amor, que as admiráveis Anna e Sofia vivem como uma entrega, é para Platónov uma simples desistência.
(texto escrito para o programa do espectáculo Platónov, de Anton Tchekhov, em cena no Teatro Nacional São João, no Porto, com tradução de António Pescada e encenação de Nuno Cardoso)
2. Platónov é um rapaz de vinte e sete anos concebido por um rapaz de vinte e um. Tem virtudes apenas admissíveis aos vinte e poucos e defeitos quase inevitáveis aos vinte e muitos. Há muito de febril e revoltado neste mestre-escola, mas ele já está naquela fase em que a decepção e o moralismo prevalecem. Quem é Platónov? Um «sujeito interessante, original», como dizem com sarcasmo os seus perseguidores? Um «herói de romance moderno», como dizem as suas admiradoras? Ou um «infame», como ele diz de si mesmo? Tudo isso e nada disso. Tchekhov faz dele um Don Juan enfastiado e precocemente envelhecido. Supomos que aquilo que mais o motiva (como ao Trofimov de O Cerejal) seja a «reforma social» ou outro motivo elevado; mas entretanto já caiu num cinismo que vive paredes-meias com o sentimento de inutilidade: «O mal fervilha à minha volta, contamina a terra, devora os meus compatriotas e irmãos em Cristo, e eu fico sentado, de braços cruzados, como depois de um trabalho difícil; fico sentado, a olhar, calado… Tenho vinte e sete anos, aos trinta serei o mesmo – não prevejo mudanças! Depois serei gordo e negligente, vem o entorpecimento, a completa indiferença por tudo o que não seja a carne, e por fim a morte! A minha vida está perdida! Põem se me os cabelos da cabeça em pé quando penso nessa morte!». O exagero histriónico denuncia o impasse deste rebelde passivo. A sua exigência radical de «autenticidade» torna a vida impossível. Ele considera toda a gente vil, ofende toda a gente, provoca quezílias inúteis. E nós vemos fraquezas humanas triviais onde ele vê infâmias.
3. Produto romântico numa época que desliza para o niilismo, Platónov encontra uma sociedade russa «decaída», cheia de médicos incompetentes, comerciantes desonestos e militares imprestáveis. Mas nem se dá conta de que o mundo sempre foi assim. Quando ele diz que nós não vivemos como podíamos viver, é uma confissão e não uma crítica. Porque é dele, Platónov, que podíamos e devíamos esperar mais, pois ele é inteligente como mais ninguém na peça mas não fez nada com a sua inteligência. Supostamente «desiludido» com o amor, comporta-se agora como um sedutor seduzido, arrastando consigo mulheres fogosas e iludidas. E a sensação que temos é que este professor de província se tornou Don Juan porque não conseguiu ser Hamlet nem Colombo. A traição (ou impossibilidade) da sua vocação é que fazem dele apenas um conviva pitoresco ou um marido infiel, dois entretenimentos burgueses. Daí que ele esteja sempre à espera de um inominado «castigo»: mesmo quando é hipócrita, Platónov ainda acredita nalguma espécie de retribuição. Como punição da banalidade pública, ele escolhe a calamidade privada. E o amor, que as admiráveis Anna e Sofia vivem como uma entrega, é para Platónov uma simples desistência.
(texto escrito para o programa do espectáculo Platónov, de Anton Tchekhov, em cena no Teatro Nacional São João, no Porto, com tradução de António Pescada e encenação de Nuno Cardoso)
29.7.08
«Contra o Brasil»
Contra o Brasil (1998) tem a sua graça, porque Diogo Mainardi tem sempre verve e prosa legível. Mas embora se anuncie como «romance», Contra o Brasil não vai muito além de uma antologia comentada de ataques ao Brasil. Desde os relatos da colonização até aos ilustres visitantes contemporâneos (Waugh, Zweig, Bernanos, Camus), Mainardi acumula páginas e páginas de citações que reduzem o Brasil àquilo que o autor acha que é a sua insignificância. Cito uma passagem especialmente divertida sobre a cultura brasileira: «Os poetas brasileiros sempre chegam com cinquenta anos de atraso. O barroco Gregório de Matos imitava Quevedo numa época em que na Europa já reinava a Arcádia. O árcade Cláudio Manuel da Costa imitava Metastásio em pleno romantismo. O romântico Gonçalves Dias imitava Chateaubriand no auge do parnasianismo…. Está me ouvindo? / (…) O parnasiano Bilac imitava Gautier num período em que o mundo descobria o simbolismo. O simbolista Cruz e Sousa imitava Baudelaire à beira do modernismo… Cansou?». É eficaz, mas não sei se nos leva a algum lado. Eu em relação ao Brasil tenho vivido um percurso de aproximação, da minha instintiva repugnância «kierkegaardiana» por uma civilização jubilosa a uma atenção mais detalhada aos ficcionistas e poetas do lado de lá. Não estou especialmente disponível para um discurso «contra o Brasil» porque esse já é o meu preconceito de base. Mas há mais: é que eu reconheço no discurso «contra o Brasil» uma variante do discurso «contra Portugal» que tende para a indigência intelectual. Não sou de todo um «patriota», mas as jeremíadas do «só neste país» são muito monótonas. O combate às nossas patéticas ilusões de grandeza é saudável, mas descamba demasiadas vezes em provocações gratuitas (do género «não existe uma literatura portuguesa»). Não tenho a mais pequena simpatia pela mitologia «paradisíaca» do Brasil, e acho que Mainardi é especialmente agudo na sua instrumentalização de Lévi-Strauss, parodiando o fascínio pelo «selvagem» com um etnocentrismo europeísta digno de um Saul Bellow. Mas para alguém que não vive no Brasil (nem tenciona), ser «contra o Brasil» é um exercício pitoresco mas algo fútil.
O primeiro grau e o segundo grau
Gosto de «Short People» (1978) pela mesma razão de que gosto de muitas outras canções de Randy Newman: pela «negative capability» com que ele se imagina na pele de uma personagen detestável, uma personagem que pensa e diz coisas detestáveis, mas sem que tudo isso descambe em simples caricatura. Há uma espécie de «dignidade» nos preconceituosos de Randy Newman que consiste na sua frontalidade. Mas Newman assume o risco de despertar o lado negro mesmo nas «pessoas decentes». Uma caricatura revela uma verdade escondida, e há sempre o perigo de nos excitarmos com verdades escondidas. As canções de Newman mostram que os «maus sentimentos» não são apanágio dos estúpidos e incultos mas constituem igualmente uma tentação mesmo para os ouvintes «sofisticados». É que o cinismo se parece muito com o preconceito. O cinismo faz com que os inteligentes cheguem às mesmas conclusões dos estúpidos.
«Short People» parece a qualquer pessoa atenta uma denúncia do racismo. Porque descriminar alguém por causa de uma característica física? E no entanto, a canção também serve como um ataque literal às «pessoas pequeninas», sejam os anões que deixam tanta gente desconfortável, seja alguma menina «velhaca ou dançarina» que nos fez mal. Houve aliás quem entendesse isso assim, e não tardou uma proposta de proibição da canção na rádio. A acusação é que Randy Newman ofendia as «pessoas baixas».
O grande problema do «primeiro grau» e do «segundo grau» é que são perigosamente reversíveis.
«Short People» parece a qualquer pessoa atenta uma denúncia do racismo. Porque descriminar alguém por causa de uma característica física? E no entanto, a canção também serve como um ataque literal às «pessoas pequeninas», sejam os anões que deixam tanta gente desconfortável, seja alguma menina «velhaca ou dançarina» que nos fez mal. Houve aliás quem entendesse isso assim, e não tardou uma proposta de proibição da canção na rádio. A acusação é que Randy Newman ofendia as «pessoas baixas».
O grande problema do «primeiro grau» e do «segundo grau» é que são perigosamente reversíveis.
Short people
Short People got no reason
Short People got no reason
Short People got no reason
To live
They got little hands
And little eyes
And they walk around
Tellin' great big lies
They got little noses
And tiny little teeth
They wear platform shoes
On their nasty little feet
Well, I don't want no Short People
Don't want no Short People
Don't want no Short People
Round here
Short People are just the same
As you and I
(A Fool Such As I)
All men are brothers
Until the day they die
(It's A Wonderful World)
Short People got nobody
Short People got nobody
Short People got nobody
To love
They got little baby legs
And they stand so low
You got to pick 'em up
Just to say hello
They got little cars
That go beep, beep, beep
They got little voices
Goin' peep, peep, peep
They got grubby little fingers
And dirty little minds
They're gonna get you every time
Well, I don't want no Short People
Don't want no Short People
Don't want no Short People
'Round here
28.7.08
Não mexam nas sílabas
Já tenho protestado (timidamente) quando os editores dos jornais fazem alterações desnecessárias aos meus textos. Mas nunca fui tão purista como Giles Coren, crítico de restaurantes do Times, que se passou da cabeça porque lhe mexeram numa sílaba tónica. Eis uma passagem do mail furibundo que enviou aos seus editores: I have written 350 restaurant reviews for The Times and i have never ended on an unstressed syllable. Fuck. fuck, fuck, fuck. Ele há gente com brio (e com mau feitio).
Is murder?
O Tory David Cameron ofereceu a Barack Obama o disco dos Smiths Meat is Murder (1985). Aceitam-se contributos hermenêuticos.
Suco de laranja
Estive dois dias acamado e aproveitei para espreitar telefilmes e telenovelas, coisa que não fazia há muito. As novelas têm a graça de apresentar a vida quotidiana como uma sucessão de clichés em primeiro grau e têm a desgraça de condenar actores interessantes a textos indigentes. Os telefilmes exibem aquela mistura de voyeurismo e moralismo típica da imprensa tablóide e um culto do «kitsch» em grande estilo. Em ambos os casos vemos quase o todo tempo uma classe média-alta de papelão, imediatamente sinalizada pela gravata de seda, as amantes com belas omoplatas e o sumo de laranja com o café da manhã. Só que as novelas, talvez por influência da tradição pedagógica brasileira, levam-se demasiado a sério, julgam que dizem coisas relevantes sobre a sociedade em que vivemos, estão convencidas do seu «realismo» documental. Enquanto os telefilmes são série Z assumida, tão descabelados como fitas de vampiros ou um peplum, sobretudo quando relatam em 90 minutos a «ascensão e queda» de oportunistas ou putéfias, com música intrumental e coda moral e tudo. Não é mau para quem está de cama e ainda não conseguiu ler o Littell.
25.7.08
Sid Vicious Francis Bacon Clockwork Orange
THE JOKER: What doesn't kill you makes you stranger.
(Heath Ledger em The Dark Knight, 2008, de Christopher Nolan)
Os carrascos
Tenho às vezes que ver filmes sem legendas falados em línguas que não conheço. É uma experiência quase sempre incomodativa ou entediante. Mas já tive um deslumbramento: Der Verlorene (1951), único filme realizado por Peter Lorre (em alemão). Percebi praticamente tudo, mesmo sem compreender os diálogos. É uma espantosa e corajosa abordagem ao passado alemão, feita pouco depois do fim da guerra sem sentimentalismos nem paninhos quentes. Em Der Verlorene o nazismo não aparece como um «acidente» ou um «enigma», mas como uma condição inscrita na história da Alemanha e no seu presente de 1951. É uma visão tétrica de «willing executioners» e de estratategemas oficiais para encobrir a verdade incómoda. Na Alemanha, o filme aguentou dez dias em cartaz e caiu no esquecimento. Lorre voltou rapidamente a Hollywood e aos seus papéis malévolos ou castiços. Talvez o tema sombrio (e cheio de sombras expressionistas) ajude, mas o certo é que um filme que resiste à barreira da língua só pode ser um grande filme. Der Verlorene é um grande filme.
24.7.08
Hoje, às 18h30, na Fnac do Chiado, haverá um segundo lançamento do livro Efeito Borboleta e outras histórias (Oficina do Livro), do meu amigo José Mário Silva. A apresentação será feita pela Ana Sá Lopes e eu lerei alguns textos.
23.7.08
Adenda ao post anterior
Por outro lado, há aquela frase de uma personagem de Balzac: vous ne m’avez pas encore donné le droit de vous obéir.
22.7.08
História alternativa
Não lhe falei e ela também não me falou. É verdade que só nos vimos quando estávamos a dois passos um do outro, eu surpreendido, depois estranhamente calmo, avançando, ela ainda mais surpreendida, desagradada, um vaguíssimo pânico, e caminhando na direcção oposta. Era a mim que competia não lhe dirigir a palavra, foi o que fiz, naquele segundo em que nos vimos frente a frente nem se pôs outra hipótese, fiquei calmo e logo resignado, ela só teve tempo de me reconhecer, reagir com os músculos da cara (e as sobrancelhas parabólicas e a comissura dos lábios) e depois desaparecer, num movimento quase de dança, tornar aquilo por vontade mútua um não-evento. E depois de a perder de vista imaginei, não sei o que imaginei, talvez que ela tenha diluído aquele encontro nas peripécias banais de um dia, tropeçar no empedrado, evitar um marco de correio daqueles vermelhos, entornar um copo de água. Ela que a certa altura apostou tudo em tornar insignificante o nosso encontro (o outro), que eu fazia promessas insensatas, que eu não tinha o direito de querer que ela significasse alguma coisa, ela recusava que se fizesse poesia à custa dela, não por ser prosaica mas porque tinha medo da poesia, e eu achei isso comovente, alguém que teme a poesia, e a veemência dela («depois quem se fode sou eu»), toda ela contra o meu abuso da linguagem e vernácula porque também quase comovida, talvez como eu sob o efeito daquela noite magnífica em ziguezague entre árvores frondosas e escuras e um vento cúmplice, ela também surpreendida e agradada mas por pouco tempo, evitando as tentativas e histórias alternativas, «depois quem se fode sou eu», isto para que eu percebesse a seriedade dela, e poética nessa brutalidade, que eu não tinha o direito de perturbar o mundo dela, e no entanto deixando que eu de algum modo a tocasse, «for he's touched your perfect body with his mind», mostrando-se tocada e indignada, com uma breve alegria que os olhos rasgados traíam e os lábios romanos suprimiam. E agora que nos vimos, temos um segundo, obedeço e não lhe falo, ela num vaguíssimo pânico que eu desobedeça, e depois continua, não permitiu sequer que eu tivesse importância na sua vida, mas agora ali subitamente foi como se as coisas não estivessem resolvidas, foi isso que senti, as coisas ainda não completamente resolvidas, ela sentiu naturalmente o contrário, as coisas não podiam estar mais resolvidas, estão resolvidas por natureza, «depois quem se fode sou eu», e eu no regresso sem saber o que fazer disto, em que gaveta, em que artéria, confuso e ao vento, ela talvez esquecendo mais facilmente, com incomodidade, alegria reprimida, vaguíssimo pânico, indo à sua vida onde eu não pertenço e eu à minha, ambos com a insidiosa melancolia da história alternativa.
21.7.08
A culpa moderna
Modern Guilt é o título do ano. Anda aí muita gente convencida de que «a culpa» é um conceito arcaico, que acabou quando a civilização judaico-cristã entrou em colapso. Agora seríamos enfim «modernos» e levíssimos, como uma água gaseificada. Mas depois a culpa aparece em cada esquina, como é seu hábito. E não são apenas as culpas ancestrais: há uma específica «culpa moderna» que nos assombra todos os dias. Uma culpa que criámos de tanto querermos fugir à culpa.
O bom cavaquismo
Espero que depois desta notícia o VGM não volte a escrever nenhuma «balada do bom cavaquista».
19.7.08
É hoje
Na onomástica judaica, “Cohen” é um apelido da casta sacerdotal. E de facto o elegante septuagenário que esta noite visita Lisboa tem sido uma espécie de líder espiritual. Leonard Cohen criou a sua própria religião, com empréstimos generosos a várias tradições: o judaísmo (em que foi educado), o cristianismo (com o qual conviveu pacificamente) e o budismo (ao qual dedicou uma década). Há hoje em dia muita gente desorientada que aproveita em cada uma dessas doutrinas os aspectos mais suaves. Cohen fez o contrário: trouxe de cada tradição aquilo que é mais agreste: a culpa, a expiação, o sacrifício e a ascese. Não por masoquismo, mas porque a exigência e a disciplina servem a remissão dos excessos. E nenhuma vida tem sentido sem excesso e exigência.
Cohen sempre foi um hedonista, amigo do vinho e das mulheres tal como os poetas chineses clássicos que tem imitado. Nos seus textos e canções, a religiosidade empresta uma intensidade apocalíptica aos nossos erros e apetites. De modo que o banal se transforma em profético: “And everybody knows that the plague is coming / Everybody knows that its moving fast / Everybody knows that the naked man and woman / Are just a shining artifact of the past”. Quando Cohen escreve sobre o que é comum ele de imediato convoca ameaças, ambiguidades, máximas e revelações. Como se fosse um Isaías ou um Jeremias, mas sem a distância de milénios e enterrado no mesmo lodo e na mesma alegria que nós todos.
Cada um acredita em Deus como pode: Cohen acredita em Deus porque existem mulheres. Se ele se tornou conhecido como um artista profundamente religioso foi também porque elevou o culto da mulher num momento histórico em que esse culto parecia condenado. A mulher em Cohen é a mulher do Cântico dos Cânticos, de Rumi, dos trovadores, dos românticos oitocentistas, e certamente não a mulher da “revolução sexual” (da qual Cohen foi aliás contemporâneo e beneficiário). Há por vezes uma sexualidade desabrida nas suas canções, mas a sexualidade nunca é biologista: é um cuidadoso ritual onde se joga o sentido global da existência.
Na sua vida, Cohen sempre utilizou as mais variadas estratégias de sedução: uma vez até se inscreveu no Partido Comunista do Canadá (ele que é anticomunista), apenas porque estava interessado numa camarada. Com as suas canções, ele escreveu os Salmos da heterossexualidade. Não há nada que se compare na poesia de hoje. O elogio do corpo e alma femininos atinge em Cohen níveis de exaltação poética únicos. Embora sejam textos que nascem de muita reescrita, são também dádivas da “inspiração”. Uma inspiração que tem nomes: Marianne Ihlen, Suzanne Elrod, Dominique Isserman, Rebecca De Mornay ou Anjani Thomas. Em Cohen, há uma absoluta necessidade de entender o mundo através das mulheres, e isso chocou muitas vezes com as obrigações da monogamia. Mas até essa experiência é uma experiência religiosa, uma vez que vive do confronto entre um ideal e a vida vivida.
Muita gente tem visto nessa discrepância uma tendência depressiva. Cohen sempre negou tal rótulo. O que ele descreve é o sofrimento que resulta de uma ideia de separação ou isolamento. Uma ideia a que chama, com grande rigor teológico, “pecado”. Quem descreve os períodos da vida em que perdemos a Graça não é um depressivo mas um realista: “Um pessimista é alguém que está à espera que chova. Enquanto eu já estou encharcado até aos ossos”, disse. Aqueles que atacam uma suposta componente “depressiva” esquecem que as canções de Cohen estão cheias de aceitação, ironia e compaixão. E não são só as canções, é o próprio homem. Quando Kurt Cobain se suicidou, Cohen fez o comentário mais humano do mundo: “I’m sorry I couldn’t have spoken to the young man”. A bondade é o vício dos profetas.
Cohen, o grande sacerdote, regressa esta noite a Lisboa, vinte anos depois do concerto do Coliseu. E nós que pensávamos que nunca (mais) o veríamos dizemos todos “Hallelujah”.
(no Público de hoje)
18.7.08
Tão bons que eles são
Leonard Cohen e Lou Reed tocam na mesma noite em Lisboa e somos por isso forçados a escolher um deles. Mas daí não se conclui que seja necessária a oposição idiota que temos visto na imprensa. É muito fácil gostar de ambos. Aliás, há semanas, Reed apresentou Cohen na cerimónia de entrada no Rock & Roll Hall of Fame. E já no longínquo ano de 1974 Cohen dizia numa entrevista: «Nico introduced me to Lou Reed… He was an early reader of «Beautiful Losers» which he thought was a good book. In those days I guess he wasn’t getting very many compliments for his work and I certainly wasn’t. So we told each other how good we were». Exactamente.
Darwinian girl
Sonhei com ela a cantar cruamente «You know that we are living in a darwinian world / And I am a darwinian girl».
17.7.08
Bartleby
Entro no Gmail e a coluna de «chat» informa: You are invisible. E por baixo sugere: Go visible. E eu, falando com a máquina, respondo em inglês: «I would prefer not to».
16.7.08
Lisboa no New York Times
Looking like the assembled listenership of some Portuguese version of National Public Radio, a buzzing crowd of tweedy academics, tattooed cool kids, bourgeois couples and bespectacled grad-student types fanned out to sample Fábrica Braço de Prata’s typically diverse offerings.
14.7.08
O Tio Vânia
Um crítico da época disse que Tchekhov escrevia «perguntas sem respostas, respostas sem perguntas, histórias sem começo nem fim, intrigas sem desenlace». A crítica era negativa, mas resume bem as razões por que gosto tanto de Tchekhov. Para didactismos, já temos que chegue. O que eu gosto mesmo são as pausas de Tchekhov, o tédio, as conversas soltas, os projectos fracassados, os amores desencontrados, as frustrações sociais, as doenças dos hipocondríacos, os jogos ociosos, os vencidos da vida. E nenhuma peça dá isso tão bem como O Tio Vânia (1899), uma das 4 grandes obras dramatúrgicas do russo (embora agora que li Platónov garanta que são 5). Das 4, era a única que nunca tinha visto em palco, e não podia ter tido uma estreia mais idiossincrática do que com Tio João, uma versão «portuguesa» encenada por São José Lapa no seu Espaço das Aguncheiras, junto ao cabo Espichel. Ver estas «cenas da vida do campo» exactamente no campo é uma experiência aliciante. Achei dispensáveis algumas das modificações ao texto, embora muitas sejam cirúrgicas. É o único senão deste projecto que vive da generosidade da encenadora e da entrega dos actores. E foi bom, numa noite fria e desabrigada, ver umas dezenas de pessoas embrulhadas em mantas a ver Vânia ao relento: Quase totalmente desprovida de enredo, a peça tem três personagens marcantes: Vânia e Astrov, dois intelectuais decepcionados (embora Astrov seja menos niilista e mais donjuanesco); e Sónia, uma «alma pura» daquelas que Tchekhov tantas vezes contrapõe aos «inteligentes» caídos em desgraça. Toda a gente aqui tem ressentimentos guardados, idealismos que deram em nada, decisões erradas que mantém por «decência» burguesa. Os homens verdadeiramente inteligentes, Astrov e Vânia, são (como aliás diz o primeiro), uns «esquisitos», introspectivos e neurasténicos. Sónia, por seu lado, tem um forte sentimento do dever, interrompido por uma aspiração romântica e que redunda naquela típica resignação das peças de Tchekhov. Tudo isto vive de outra maneira assim ao vivo, com os pés na terra e na gravilha, numas cadeiras em frente a um barracão onde temos um Vânia (João Cabral) derrotado, um Astrov (Rui Paulo) nonchalant, e uma Sónia (Joana Manaças) comovente. Não é um espectáculo perfeito, mas há muito tempo que não tinha uma experiência teatral tão vital. E logo numa peça onde todos parecem prematuramente mortos, gente pré-póstuma enfronhada na tristíssima dignidade dos seus sonhos.
Most of the time
Most of the time
It's well understood
Most of the time
I wouldn't change it if I could
I can't make it all match up, I can hold my own
I can deal with the situation right down to the bone
I can survive, I can endure
And I don't even think about her
Most of the time
(Dylan, 1989)
«A maior parte das vezes», ou seja, há vezes em que não, muitas vezes, uma «menor parte» que toda junta talvez seja maior que a «maior parte», e vou repetindo esse paradoxo brutal, sabendo que mesmo da denegação nasce algum alento.
It's well understood
Most of the time
I wouldn't change it if I could
I can't make it all match up, I can hold my own
I can deal with the situation right down to the bone
I can survive, I can endure
And I don't even think about her
Most of the time
(Dylan, 1989)
«A maior parte das vezes», ou seja, há vezes em que não, muitas vezes, uma «menor parte» que toda junta talvez seja maior que a «maior parte», e vou repetindo esse paradoxo brutal, sabendo que mesmo da denegação nasce algum alento.
Acidentes
Perguntava eu umas generalidades sobre o trânsito em Lisboa quando o taxista exclamou: «As mulheres não têm acidentes, causam acidentes». Não percebi se já tínhamos mudado de tema, mas concordei, à cautela.
O Estado Civil atingiu hoje 1 milhão de visitas (e cerca de 1 milhão e 200 mil pageviews). Tal como noutras ocasiões redondas, deixo aqui um telegráfico e fungante «obrigado».
Uma nova revista (e inclina para este lado)
O director é filho de Paul Johnson. E do conselho editorial fazem parte, entre outros, V.S. Naipaul e Tom Stoppard. O algodão não engana: «Standpoint’s core mission is to celebrate our civilization, its arts and its values – in particular democracy, debate and freedom of speech – at a time when they are under threat». Querem que vos faça um desenho?
12.7.08
Lemberg
Porque é que me está a mentir a dizer que vai para Cracóvia? É para eu acreditar que vai para Lemberg?
(Freud, O Dito de Espírito e a sua Relação com o Inconsciente, 1912)
(Freud, O Dito de Espírito e a sua Relação com o Inconsciente, 1912)
11.7.08
Bruni (2)
Carla Bruni declarou que apesar do casamento continua «epidermicamente de esquerda». Achei graça à escolha de palavras. Se há alguma coisa «epidérmica» é a paixão: comparada com o enamoramento, a ideologia parece uma escolha racional. Ou não, dirão os cínicos, ou não.
Bruni (1)
Sou insuspeito: sempre gostei muitíssimo de Carla Bruni como modelo (era a minha favorita, juntamente com a Christensen) e apreciei apenas moderadamente o disco de estreia dela.
O que é suspeito é que as pessoas que achavam Bruni lindíssima (uma evidência empírica) se desdigam (como já ouvi) agora que ela casou com Sarkozy. Ou que lhe chamem (oh gentes progressistas) «promíscua». O que é suspeito é que as mesmas pessoas que incensavam os discos dela agora os ataquem como se fossem abominações.
Carla Bruni passou duas décadas à sombra (quase sempre benéfica) da sua beleza. E agora vive à sombra (quase sempre prejudicial) do seu casamento. Tinha tudo para ser adorada pela elite «com as ideias certas» e realmente foi. Mas depois fez um «casamento errado». E agora já não tem direito àqueles elogios que ouviu toda a vida.
Eis uma historieta instrutiva.
O que é suspeito é que as pessoas que achavam Bruni lindíssima (uma evidência empírica) se desdigam (como já ouvi) agora que ela casou com Sarkozy. Ou que lhe chamem (oh gentes progressistas) «promíscua». O que é suspeito é que as mesmas pessoas que incensavam os discos dela agora os ataquem como se fossem abominações.
Carla Bruni passou duas décadas à sombra (quase sempre benéfica) da sua beleza. E agora vive à sombra (quase sempre prejudicial) do seu casamento. Tinha tudo para ser adorada pela elite «com as ideias certas» e realmente foi. Mas depois fez um «casamento errado». E agora já não tem direito àqueles elogios que ouviu toda a vida.
Eis uma historieta instrutiva.
9.7.08
História portátil
I met a woman long ago
her hair the black that black can go
Are you a teacher of the heart?
Soft she answered no.
I met a girl across the sea
her hair the gold that gold can be
Are you a teacher of the heart?
Yes, but not for thee.
(«Teachers», álbum Songs of Leonard Cohen, 1967)
her hair the black that black can go
Are you a teacher of the heart?
Soft she answered no.
I met a girl across the sea
her hair the gold that gold can be
Are you a teacher of the heart?
Yes, but not for thee.
(«Teachers», álbum Songs of Leonard Cohen, 1967)
A decepção e o vexame
Ele ficou chocado com o seu «sucessor». É triste percebermos que o «homem seguinte» é belfo ou usa monóculo. O homem com quem as mulheres andam imediatamente depois de terem andado connosco serve como comparação e como comprovação. Se o namorado da minha ex tem qualidades que eu não tenho, fico vexado. Se é um perfeito anormal, fico decepcionado. Em ambos os casos, é uma má notícia. A escolha funciona como critério dos gostos dela: se escolheu um tipo musculado é porque afinal liga muito a isso; se namora com um fã dos Van Halen, então exige pouco de um homem. Etc, etc. Compreendo a decepção do meu amigo. Embora eu esteja mais habituado ao vexame.
8.7.08
Molti nemici
O site do jornalista inglês Johann Hari contém a seguinte referência: Since he began work as a journalist, Johann has been attacked in print by the National Review, the Daily Telegraph, the Daily Mail, John Pilger, Daniel Craig, Peter Oborne, Private Eye, the Socialist Worker, Cristina Odone, Jon Gaunt, the Spectator, Andrew Neil, Mark Steyn, the British National Party, Medialens, al Muhajaroun and Richard Littlejohn. (...) Johann has been called 'Maoist' by Nick Cohen, "Stalinist" by Noam Chomsky, 'Horrible Hari' by Niall Ferguson, "an uppity little queer" by Bruce Anderson, 'a drug addict' by George Galloway, "fat" by the Dalai Lama and "a cunt" by Busted.
Fiz as contas e concluí que eu também já levei com uma quantidade de epítetos catitas: «arrivista», «devorista», «fraude», «canalha», «gaspar simões» (com intenção insultuosa), «prado coelho» (com intenção insultuosa), «medíocre», «analfabeto», «amanuense», «puto malcriado», «crítico malvado» (palavra de honra), «poeta para costureirinhas» (o meu favorito), «poetastro», «poeta de merda», «beato», «padre Mexia», «fascista» ou «cão». E, claro, incontáveis referências anatómicas.
E só conto os mimos vindos de «figuras públicas». Se também incluísse gente «desconhecida», nunca mais acabava.
O editor Manuel Alberto Valente diz-me de vez em quando: «É impressionante a quantidade de gente que te detesta». E eu, uma vez que sou «fascista», cito o Benito: «molti nemici molto onore».
7.7.08
O corpo inteiro
O dispensável remake de Funny Games exibe o corpo seminu de Naomi Watts em várias cenas longas. Se a nudez de Emmanuelle Béart em La Belle Noiseuse era de algum modo «atenuada» pela sua situação estática, o erotismo de Watts também é diminuído pelo facto de a vermos humilhada e brutalizada. No entanto, tal como ninguém esqueceu o corpo nu de Béart, ninguém fica imune a Watts seminua. É um corpo desejável mas credível: ossudo acima do peito, esquelético nas costelas, cheio nas ancas e com alguma celulite nas coxas. As maminhas de Naomi, com mamilos pronunciados, acusam a gravidade e não são aqueles balões esticados de muita estrela hollywoodesca. É uma mulher que cuida de si mas que tem a idade que tem (39) e já foi mãe.
A dada altura a conversa dos jovens torcionários anda à volta da idade dela e da existência ou não de «jelly rolls» na sua anatomia. É uma discussão sádica? É, mas de um sadismo banal no «Ocidente». Acontece que nem todas as actrizes se prestavam a essas cenas. Algumas só se despem para mostrar que têm ido ao ginásio ou à faca. O corpo despido de Watts, pelo contrário, é um corpo normal de uma mulher atraente (embora diabos me levem se eu conheço alguma mulher daquela idade tão atraente como ela). Watts nasceu em 1968 e tornou-se uma estrela já tarde, em 2001. Hoje, é uma mulher desejável de 40 anos numa cultura em que as mulheres desejáveis têm 22.
Em Funny Games ela aceitou o desafio de uma seminudez diferente: em vez da excitação, somos convidados à contemplação. E por uma vez o corpo faz integralmente parte de uma actriz (em vez aparecer em substituição dela). E por uma vez a beleza parece possível e não uma ilusão da fábrica de ilusões.
5.7.08
4.7.08
Uma mulher inteligente que nunca chora
PLATÓNOV: Por quem se apaixonaria ela aqui? Por si mesma? Não acredites no riso dela. Não se pode acreditar no riso de uma mulher inteligente que nunca chora: ela ri-se quando tem vontade de chorar.
(Platónov, Anton Tchekhov, 1881)
(Platónov, Anton Tchekhov, 1881)
Qual das duas?
De Cukor a Almodóvar, passando por Fassbinder e tutti quanti, os cineastas gay têm indiscutível olho para as mulheres. Um dos melhores em actividade(melhor cineasta e melhor olho, salvo seja) é François Ozon. Retomando o que fiz com Natalie Portman e Scarlett Johansson, aqui deixo o despique Ludivine Sagnier (Swimming Pool) x Romola Garai (Angel). Quem quiser acompanhar o voto de uma declaração de voto, o mail está lá em cima.
Žižek 1
Numa crítica ao penúltimo livro de Slavoj Žižek, Terry Eagleton diz que o esloveno é “fenomenal”. Eis um epíteto justo. Há outros pensadores vivos igualmente complexos e igualmente polémicos, mas talvez nenhum com interesses tão diversificados. E certamente nenhum tão divertido (exactamente: divertido). Lacaniano e marxista, o filósofo tem produzido dezenas de ensaios sobre biopolítica, ciberespaço, ideologia, fundamentalismo, cultura de massas e tudo mais que nos acontece. Depois do sucesso colossal em vários países, a Relógio D’Água traduziu cinco Žižeks, e agora surge na Orfeu Negro (uma chancela da Antígona) “Lacrimae Rerum”, volume dedicado ao cinema.
Žižek já andou por esses territórios em “Enjoy Your Symptom!: Jacques Lacan in Hollywood and Out” (1992), onde dissecava o cânone segundo categorias como o Real, o Imaginário ou o Simbólico. E em 2006 entrou num documentário de Sophie Fiennes chamado “The Pervert’s Guide to Cinema”, filme em que aparecia no meio de cenas conhecidas e explicitava a componente fantasmática da realidade cinematográfica e da realidade vivida. “Lacrimae Rerum”, quatro ensaios publicados separadamente nos últimos oito anos, continua essas reflexões. Nalguns momentos, é lícito perguntar se estes textos mesmo sobre cinema, no mesmo sentido em que também perguntamos isso sobre os célebres livros de Deleuze; com efeito, Žižek usa e abusa dos filmes, fazendo digressões imprevisíveis e colagens de ideias estonteantes.
Žižek trata aqui dois autores mais óbvios e dois bastante arriscados. Ninguém estranha que ele se interesse por Hitchcock, por exemplo, cineasta “perverso” como poucos. Hitchcock tem sido uma vítima da “sobre-interpretação”: tudo nos seus filmes já foi dissecado até à exaustão. Mas Žižek não se incomoda nada com isso, e avança sustentando a ideia de que Hitchcock não se baseia em argumentos mas em motivos. A perversidade de Hitch está nas suas obsessões visuais; tudo o mais serve como pretexto (ou seja: como “McGuffin”). A leitura žižekiana de “Psico” é especialmente buliçosa, e acaba com a explicação de influência da arquitectura (isso mesmo) na personagem tresloucada de Anthony Perkins; assim, Žižek sugere, e com argumentos, que se o Bates Motel tivesse sido construído por, digamos, Frank Gehry, o pobre rapaz não se tinha tornado homicida. Eis um exemplo de inventividade sustentada e exibicionismo intelectual. Acontece que em Žižek isso nunca irrita: é sempre (mas sempre) fascinante.
Vejamos como ele pega em David Lynch. Žižek acha que devemos evitar o cliché de que os filmes de Lynch são de uma complexidade sem saída, um pesadelo sem lógica, uma bombardeamento implacável dos sentidos. Pegando em “Estrada Perdida”, ele demonstra que essa complexidade tem (entre outros) um sentido preciso: recriar uma “femme fatale” moderna. A “femme fatale” clássica (dos anos 1940) acabava destruída, mas deixava o seu fantasma intacto; a “femme fatale” revisitada (nos filmes de John Dahl, por exemplo) destrói o seu fantasma e sobrevive; mas então o que fazer depois disso? Žižek argumenta que Lynch reactualiza essa fantasia masculina de um modo original, recorrendo a um “sublime ridículo” que é um terço romantismo, um terço violência e um terço hermetismo.
Escrever sobre Kieslowski e Tarkovski parecia à partida mais ousado, em especial porque Žižek vê neles traços de “obscurantismo”. Mas a esse passo atrás segue-se um salto em frente: o filósofo propõe-se apresentar Tarkovski e Kieslowski como cineastas materialistas. Impossível? Nada é impossível para o fenomenal Žižek. Senão vejamos. Žižek explica que Kieslowski começou pelo documentário por razões materialistas: ele queria mostrar a realidade polaca (desolada) tal como ela era, para a contrapor à visão optimista oficial. Foi isso que o fez mergulhar no real. Mas Kieslowski apercebeu-se da “obscenidade” do documentário enquanto género, do seu carácter intrusivo. Daí que tenha passado à ficção: mas depois verificou que a ficção é igualmente vulnerável, porque expõe a nossa fragilidade e os nossos fantasmas. A solução provisória encontrada pelo realizador foi encenar acasos, universos alternativos, narrativas em aberto, encontros misteriosos (nomeadamente no “Decálogo”, aqui analisado num ensaio magistral). Mas o “destino”, diz Slavoj Žižek é uma saída falsamente “espiritual”: por um lado porque a vida fragmentada e aleatória corresponde de facto à experiência contemporânea; e depois porque o “destino” em Kieslowski não vale como uma realidade, mas como uma fantasia (ideológica).
Estejamos ou não convencidos, temos ainda o grande desafio: Tarkovski. Žižek admite o “reaccionarismo” do russo, mas encontra uma solução: diz que tudo o que parece espírito em Tarkovski é afinal matéria (ou, no mínimo, projecção mental). O cineasta tinha certamente intenções espirituais, e fazia dos seus filmes uma “viagem interior”. Mas a verdade é que esses filmes, por exemplo “Solaris” ou “Stalker”, são sobre a materialização (concreta) de fantasmas. Uma materialização da sexualidade masculina em “Solaris” (a mulher como projecção do homem). E uma materialização da angústia religiosa em “Stalker”. Se este último anda à volta de uma misteriosa “Zona” onde os desejos supostamente se concretizam, essa Zona só ganha uma aura mágica porque é inacessível: quando se chega lá, não tem nada de especial. A Zona existe porque se criou um mistério chamado a Zona. E isto já não é obviamente crítica de cinema: é uma psicanálise da religião.
Que as teses aparentemente implausíveis, as idiossincrasias políticas e o jargão lacaniano não afastem ninguém: Žižek cultiva um humor eslavo irrequieto e obsceno, uma voracidade associativa, uma inteligência esmagadora e um gosto pela provocação admirável. E no meio dos cineastas estudados, aparecem milhentas outras coisas: Kleist, a MTV, “A Profecia Celestina”, Ruth Rendel, Ivan Reitman, o Solidariedade, “Os Pássaros Feridos”, a sodomia, Yoda e Heidegger. Creio que não há ninguém que não goste ao menos de uma destas coisas.
(no Ípsilon de hoje)
Žižek já andou por esses territórios em “Enjoy Your Symptom!: Jacques Lacan in Hollywood and Out” (1992), onde dissecava o cânone segundo categorias como o Real, o Imaginário ou o Simbólico. E em 2006 entrou num documentário de Sophie Fiennes chamado “The Pervert’s Guide to Cinema”, filme em que aparecia no meio de cenas conhecidas e explicitava a componente fantasmática da realidade cinematográfica e da realidade vivida. “Lacrimae Rerum”, quatro ensaios publicados separadamente nos últimos oito anos, continua essas reflexões. Nalguns momentos, é lícito perguntar se estes textos mesmo sobre cinema, no mesmo sentido em que também perguntamos isso sobre os célebres livros de Deleuze; com efeito, Žižek usa e abusa dos filmes, fazendo digressões imprevisíveis e colagens de ideias estonteantes.
Žižek trata aqui dois autores mais óbvios e dois bastante arriscados. Ninguém estranha que ele se interesse por Hitchcock, por exemplo, cineasta “perverso” como poucos. Hitchcock tem sido uma vítima da “sobre-interpretação”: tudo nos seus filmes já foi dissecado até à exaustão. Mas Žižek não se incomoda nada com isso, e avança sustentando a ideia de que Hitchcock não se baseia em argumentos mas em motivos. A perversidade de Hitch está nas suas obsessões visuais; tudo o mais serve como pretexto (ou seja: como “McGuffin”). A leitura žižekiana de “Psico” é especialmente buliçosa, e acaba com a explicação de influência da arquitectura (isso mesmo) na personagem tresloucada de Anthony Perkins; assim, Žižek sugere, e com argumentos, que se o Bates Motel tivesse sido construído por, digamos, Frank Gehry, o pobre rapaz não se tinha tornado homicida. Eis um exemplo de inventividade sustentada e exibicionismo intelectual. Acontece que em Žižek isso nunca irrita: é sempre (mas sempre) fascinante.
Vejamos como ele pega em David Lynch. Žižek acha que devemos evitar o cliché de que os filmes de Lynch são de uma complexidade sem saída, um pesadelo sem lógica, uma bombardeamento implacável dos sentidos. Pegando em “Estrada Perdida”, ele demonstra que essa complexidade tem (entre outros) um sentido preciso: recriar uma “femme fatale” moderna. A “femme fatale” clássica (dos anos 1940) acabava destruída, mas deixava o seu fantasma intacto; a “femme fatale” revisitada (nos filmes de John Dahl, por exemplo) destrói o seu fantasma e sobrevive; mas então o que fazer depois disso? Žižek argumenta que Lynch reactualiza essa fantasia masculina de um modo original, recorrendo a um “sublime ridículo” que é um terço romantismo, um terço violência e um terço hermetismo.
Escrever sobre Kieslowski e Tarkovski parecia à partida mais ousado, em especial porque Žižek vê neles traços de “obscurantismo”. Mas a esse passo atrás segue-se um salto em frente: o filósofo propõe-se apresentar Tarkovski e Kieslowski como cineastas materialistas. Impossível? Nada é impossível para o fenomenal Žižek. Senão vejamos. Žižek explica que Kieslowski começou pelo documentário por razões materialistas: ele queria mostrar a realidade polaca (desolada) tal como ela era, para a contrapor à visão optimista oficial. Foi isso que o fez mergulhar no real. Mas Kieslowski apercebeu-se da “obscenidade” do documentário enquanto género, do seu carácter intrusivo. Daí que tenha passado à ficção: mas depois verificou que a ficção é igualmente vulnerável, porque expõe a nossa fragilidade e os nossos fantasmas. A solução provisória encontrada pelo realizador foi encenar acasos, universos alternativos, narrativas em aberto, encontros misteriosos (nomeadamente no “Decálogo”, aqui analisado num ensaio magistral). Mas o “destino”, diz Slavoj Žižek é uma saída falsamente “espiritual”: por um lado porque a vida fragmentada e aleatória corresponde de facto à experiência contemporânea; e depois porque o “destino” em Kieslowski não vale como uma realidade, mas como uma fantasia (ideológica).
Estejamos ou não convencidos, temos ainda o grande desafio: Tarkovski. Žižek admite o “reaccionarismo” do russo, mas encontra uma solução: diz que tudo o que parece espírito em Tarkovski é afinal matéria (ou, no mínimo, projecção mental). O cineasta tinha certamente intenções espirituais, e fazia dos seus filmes uma “viagem interior”. Mas a verdade é que esses filmes, por exemplo “Solaris” ou “Stalker”, são sobre a materialização (concreta) de fantasmas. Uma materialização da sexualidade masculina em “Solaris” (a mulher como projecção do homem). E uma materialização da angústia religiosa em “Stalker”. Se este último anda à volta de uma misteriosa “Zona” onde os desejos supostamente se concretizam, essa Zona só ganha uma aura mágica porque é inacessível: quando se chega lá, não tem nada de especial. A Zona existe porque se criou um mistério chamado a Zona. E isto já não é obviamente crítica de cinema: é uma psicanálise da religião.
Que as teses aparentemente implausíveis, as idiossincrasias políticas e o jargão lacaniano não afastem ninguém: Žižek cultiva um humor eslavo irrequieto e obsceno, uma voracidade associativa, uma inteligência esmagadora e um gosto pela provocação admirável. E no meio dos cineastas estudados, aparecem milhentas outras coisas: Kleist, a MTV, “A Profecia Celestina”, Ruth Rendel, Ivan Reitman, o Solidariedade, “Os Pássaros Feridos”, a sodomia, Yoda e Heidegger. Creio que não há ninguém que não goste ao menos de uma destas coisas.
(no Ípsilon de hoje)
3.7.08
O corpo avisou
Há uma inteligência do corpo que eu descurei, tão inimigos somos. O corpo não é apenas uma figura estética mas também uma entidade orgânica e somática. E tem uma inteligência que eu nem sequer conhecia.
Senão vejamos. As coisas corriam francamente bem quando eu entrei em ameaça de colapso. Literato e «psicologista» , imaginei que fosse uma reacção negativa da mente (ou da «alma» ou do «inconsciente»). Na verdade, era uma reacção benéfica do corpo. Enquanto a «mente» (ou alma ou o inconsciente), embarca em ilusões ideológicas, o corpo reage sempre com pragmatismo. Aquele sinal aparentemente «negativo» era um aviso: «vamos ficar por aqui».
Porque é que o corpo me avisou «vamos ficar por aqui?». O corpo devia procurar a satisfação dos seus instintos e estar mais entusiasmado que apreensivo. Mas o meu corpo detectou (e eu não) algo de semelhante ao «muro dos nadadores». O «muro dos nadadores» é aquele patamar de resistência que o nadador de longo curso não consegue ultrapassar, ainda que acredite que sim. Quando atinge certa distância, há uma barreira invisível que impede que ele prossiga. Não é apenas «cosa mentale»: é a materialização dos seus limites.
Quando eu cheguei ao meu limite, tive um aviso evidente, que achei estúpido ou masoquista. Quando era o contrário disso: inteligente e apostado na auto-defesa. O corpo, no seu funcionamento interno que ignoro e temo, enviou sinais físicos estridentes. Era altura de recuar. Claro que eu podia continuar, se tivesse capacidade para isso (e tive), mas estava avisado: ia ser devorado pelos tubarões.
E depois apareceram os tubarões.
Senão vejamos. As coisas corriam francamente bem quando eu entrei em ameaça de colapso. Literato e «psicologista» , imaginei que fosse uma reacção negativa da mente (ou da «alma» ou do «inconsciente»). Na verdade, era uma reacção benéfica do corpo. Enquanto a «mente» (ou alma ou o inconsciente), embarca em ilusões ideológicas, o corpo reage sempre com pragmatismo. Aquele sinal aparentemente «negativo» era um aviso: «vamos ficar por aqui».
Porque é que o corpo me avisou «vamos ficar por aqui?». O corpo devia procurar a satisfação dos seus instintos e estar mais entusiasmado que apreensivo. Mas o meu corpo detectou (e eu não) algo de semelhante ao «muro dos nadadores». O «muro dos nadadores» é aquele patamar de resistência que o nadador de longo curso não consegue ultrapassar, ainda que acredite que sim. Quando atinge certa distância, há uma barreira invisível que impede que ele prossiga. Não é apenas «cosa mentale»: é a materialização dos seus limites.
Quando eu cheguei ao meu limite, tive um aviso evidente, que achei estúpido ou masoquista. Quando era o contrário disso: inteligente e apostado na auto-defesa. O corpo, no seu funcionamento interno que ignoro e temo, enviou sinais físicos estridentes. Era altura de recuar. Claro que eu podia continuar, se tivesse capacidade para isso (e tive), mas estava avisado: ia ser devorado pelos tubarões.
E depois apareceram os tubarões.
Chevènement
As pessoas acham que eu invento histórias de taxistas. Mas não invento nadinha. Simplesmente, como ando muito de táxi vou encontrando muitos cromos.
Ontem à noite, passávamos pela Praça de Espanha (e eu caladinho) quando o meu taxista exclama: «Quem, o Chevènement? Fui eu que causei a queda dele».
Há várias coisas curiosas aqui:
1) Ninguém tinha falado em Chevènement (apesar do enganador «quem?»)
2) O meu taxista conhecia (nalgum sentido) o político francês Jean-Pierre Chevènement
3) O taxista estava convencido de que tinha «causado a queda» de Chevènement.
Ainda repliquei, não sei bem porquê: lembrei vagamente as desavenças no PSF e a corrente «soberanista». Mas ele atalhou: «Nada disso. Eu é que causei a queda do Chevènement». Assenti. Senão ele ainda me dizia que tinha escrito Les mots et les choses.
Ontem à noite, passávamos pela Praça de Espanha (e eu caladinho) quando o meu taxista exclama: «Quem, o Chevènement? Fui eu que causei a queda dele».
Há várias coisas curiosas aqui:
1) Ninguém tinha falado em Chevènement (apesar do enganador «quem?»)
2) O meu taxista conhecia (nalgum sentido) o político francês Jean-Pierre Chevènement
3) O taxista estava convencido de que tinha «causado a queda» de Chevènement.
Ainda repliquei, não sei bem porquê: lembrei vagamente as desavenças no PSF e a corrente «soberanista». Mas ele atalhou: «Nada disso. Eu é que causei a queda do Chevènement». Assenti. Senão ele ainda me dizia que tinha escrito Les mots et les choses.
É esta a cidade onde quer viver?
2.7.08
A superação e a legitimação
A propósito do segundo álbum de Carla Bruni, o Guardian escreveu: Listening to her versions of Dickinson, Parker and Yeats, the first thought is that, surely, this is poetry for the unbeautiful. It's the stuff of loneliness, and rejection (…). É um dos paradoxos da criação: os feios «criam» como superação da sua fealdade; os belos «criam» como legitimação da sua beleza. E nisso são, uns e outros, tristes e desonestos.
1.7.08
Um género de homem
Ela não tem um «tipo» de homem, tem um «género» de homem: prefere homens do género masculino.
O meu Darwin
Celebra-se agora muito justamente Charles Darwin, século e meio depois da apresentação da teoria evolucionista (e também no contexto das actuais maluquices «criacionistas»). Durante anos, achei que Darwin era um daqueles génios que eu podia ignorar, em parte porque as suas teses mais conhecidas não me causavam nenhum engulho. É certo que havia um desagradável travo nietzschiano no título On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life (1859), mas na adolescência eu tinha ainda uma visão «benigna» de Nietzsche. Em suma: nunca li uma linha da Origem das Espécies. Só há dois anos descobri (e li devotamente) The Descent of Man and Selection in Relation to Sex (1871). E achei que aquilo devia ser disciplina obrigatória nos liceus. Diz-se da Bíbilia ou de Shakespeare que «esta tudo lá». Mas em The Descent of Man também «está tudo lá». Acontecem coisas que a gente não entende ou não aceita? O Darwin explica. No meu caso, foi um bocadinho tarde, mas genes de merda são genes de merda, e ninguém se safa só por causa de umas leituras atempadas.